Aberta desde 2011 a todas as linguagens e formatos, a mostra competitiva Panoramas do Sul se compõe, nesta edição, de instalações, videoinstalações, desenhos, esculturas, pinturas, livros de artista e vídeos. Selecionados a partir de um universo de mais de dois mil projetos apresentados durante uma convocatória pública, os 94 artistas selecionados para esta edição da mostra trouxeram à comissão curadora o desafio de mapear a produção contemporânea de América Latina, Caribe, África, Oriente Médio, Europa do Leste, Sul e Sudeste Asiático e Oceania.

A exposição busca traçar um expressivo e dinâmico panorama da produção artística mais recente do eixo Sul. Longe de se pretender um olhar totalizante, a mostra se abre ao risco oferecido pela seleção realizada por meio de uma convocatória aberta. Panoramas do Sul é muito mais um olhar articulado sobre discursos e proposições do que uma curadoria baseada em uma tese ou ideia previamente concebida. Assim, aborda questões estéticas, políticas, sociais e subjetivas que caracterizam tanto a contemporaneidade de modo mais geral, quanto as tensões específicas do circuito Sul.

Artistas selecionados

Obras selecionadas

Prêmios e menções

Projeto de troféu

Em bronze e cera colorida, o troféu do 18º Festival é uma escultura da artista paulistana Erika Verzutti em forma de romã. "A fruta foi uma escolha natural quando procurava uma forma de meu repertório conhecido e que fosse também celebratória", diz. "É uma forma preciosa, muito expressiva, meio fisionômica, e associada também a sorte".

Texto da comissão de seleção 2013

Em busca do Outro

A mostra Panoramas do Sul do 18º Festival de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil traça um diagrama dinâmico, que dá visibilidade a um expressivo recorte da produção artística mais recente do eixo Sul geopolítico (América Latina, Caribe, África, Oriente Médio, Europa do Leste, Sul e Sudeste asiático, e Oceania). Seu recorte nos convoca a encontrar um conjunto de questões estéticas, políticas, sociais e subjetivas que caracterizam tanto a contemporaneidade, de modo mais geral, quanto as tensões específicas típicas desse território-rede e de seus contextos e trocas.

As dinâmicas e perspectivas desse diagrama constroem múltiplas aproximações, favorecendo um intenso diálogo entre distintas formas de expressão artística, visões de mundo, apropriações de toda ordem e rearticulações da tradição e da história. Tudo isso sob a ótica do Sul – e do conjunto de deslocamentos, passagens e trajetos entre esse território e o Norte. Logo, no movimento das linhas desse diagrama, traçam-se entre os pontos – que carregam com eles fragmentos de seus contextos de origem – situações de diálogo que se interrogam em busca de novas narrativas e formas de convívio e assimilação do Outro.

Para que a percepção das dinâmicas desse diagrama ganhasse visibilidade, o gesto curatorial se estabeleceu entre o que apontam as obras e as possíveis proximidades, distâncias e recorrências que emergem do conjunto, assim como de nossas próprias visões. Longe de querer abarcar tudo, e escapando, com isso, da prepotência de uma visão totalizante, os Panoramas do Sul assumem em sua configuração a tensão constante de se construírem em torno de uma convocatória aberta para as propostas dos artistas. Isso sinaliza, de um lado, uma potência; mas, de outro, uma rearticulação profunda da construção da curadoria. Longe de provar um pensamento teórico ou construir um discurso curatorial fechado, ela opera por aproximação, para construir esse diagrama de forma sensível, conhecendo as diferenças sociais, políticas e econômicas que caracterizam a complexidade da geopolítica contemporânea.

A mostra recebeu cerca de 2 mil inscrições, vindas de 94 países do eixo Sul geopolítico. A extensa trajetória de trinta anos do Videobrasil, assim como as inúmeras ações em torno do Festival – itinerâncias, ciclos de debate, publicações –fazem-no muito conhecido entre artistas, curadores, teóricos e público, favorecendo o elevado número de inscrições e a qualidade dos trabalhos inscritos, e tornando a seleção um desafio. Nesse sentido, os eixos, que de alguma forma organizam os trabalhos, nasceram desse olhar detido sobre o conjunto, para perceber a intensidade que as obras traziam e, assim, começar o traçado do diagrama que originou a exposição.

A mostra Panoramas do Sul desta edição é significativa, já que o Festival completa trinta anos de uma trajetória sempre sensível às diversas mudanças nas muitas esferas da vida – e, sobretudo, à total rearticulação da produção artística contemporânea. Por isso, ao mesmo tempo em que a mostra dá forma à emergência do tempo presente, coloca-se diante da tradição estabelecida, caracterizada pelo diálogo aberto com as inquietações vindas dos distintos períodos históricos.

Ao ver todas as obras, o diagrama pouco a pouco foi se construindo. Foram inúmeras idas e vindas em busca do arranjo mais potente e complexo, que favorecesse possíveis relações de proximidade ou afastamento. As mais de cem obras vindas de 32 países que compõem Panoramas do Sul nos possibilitaram perceber um pulsante conjunto de questões que sutilmente se desdobra da exposição para as atividades e ações – como os programas públicos, a presença na TV e as publicações – que ocorrem durante o Festival.

O diagrama toma forma nos diversos trabalhos que compõem a mostra, sejam pinturas, performances, esculturas, desenhos, objetos, livros, instalações, vídeos ou fotografias, entre outros. Ao gerar inúmeras maneiras de relação e fruição, elas dão a ver o vigor da produção do eixo Sul geopolítico e a força da arte como possibilidade de abertura para outros discursos e narrativas.

Densidades possíveis

Região caracterizada por conflitos diversos, que orbitam em torno de questões igualmente variadas, o eixo Sul geopolítico parece provocar, em sua produção artística, um novo olhar para a história, mais alinhado com suas questões específicas, e desde uma perspectiva mais própria do Sul. Da identidade ao conflito territorial e de fronteira, entre outros, percebemos que a forma com que os conflitos reverberam nas obras promove o surgimento de novos procedimentos e novas estratégias criativas para abordá-los. Envoltos por outras questões, como a memória e a centralidade dos processos de subjetivação, os conflitos trazem às obras novas complexidades. Se, por um lado, sinalizam outras formas de resolução, por outro, reforçam a necessidade de dar visibilidade a esses conflitos, expandi-los e colocá-los a circular, gerando novas leituras e contraposições. Desdobram-se daí as questões políticas, que oscilam desde as micropolíticas, de ordem mais subjetiva e identitária, até uma rearticulação das grandes narrativas históricas que ainda condicionam fortemente as visões.

Na contemporaneidade, a identidade é um trajeto, uma dinâmica processual que nunca se estabiliza, um vir a ser. Narrar a identidade nesses tempos é um risco fundamental para a compreensão das complexidades que a alteridade pode assumir. Eu e o Outro somos. Juntos, conseguimos nos conhecer, nos esconder e também nos revelar. As obras que conseguem se aproximar desses processos mostram a intensidade que os jogos de identidade podem assumir. Aqui percebemos a força com que a vida cotidiana e ordinária consegue subverter a ordem. A sexualidade torna-se a vertente pela qual subjetividades e singularidades se colocam. Uma política das subjetividades que precisam se dar a ver.

Para as visões da identidade e da política, o ponto de partida tanto pode ser a dimensão mais íntima e doméstica quanto interações críticas e criativas com os meios de massa e a as redes sociais emergentes. Tudo isso pode ser filtrado para uma construção política de múltiplas formas, que subverte noções mais tradicionais, assim como os modos de aproximação e reverberação da produção artística contemporânea. O binômio arte-política, que alimentou o discurso e as reflexões críticas nos últimos anos, parece ele próprio um incômodo rótulo, que já não consegue qualificar as possibilidades trazidas pela arte para abordar as multiplicidades da política na contemporaneidade, nem o modo com que a dimensão política cada vez mais se mistura a outros e distintos domínios do social.

A memória, nesse contexto, retoma uma potência fabuladora singular, num movimento que confronta e cria tensão entre as dimensões pessoais, íntimas e subjetivas, e o traço mais coletivo e genérico da história. O afeto torna-se elemento fundamental nessas dinâmicas; com sua força, gera novos contextos para os âmbitos contemporâneos da memória.

O que dizer da memória em tempos de comunicação digital e global, com inúmeros dispositivos tecnológicos que a estendem e rearticulam? O que dizer das milhares de imagens que circulam incessantemente hoje em dia? Como não esquecer, sendo que, às vezes, entre a memória coletiva e a pessoal, a saída mais fácil é nunca mais lembrar? A memória, na mostra Panoramas do Sul, surge como uma possibilidade de se contrapor à história oficial, essa que faz uma gestão da memória, formatando-a para interesses específicos.

Aqui a memória faz a volta sobre si mesma e revela justo o que não foi possível ser retido: visões muito singulares que, de um lado, solicitam uma atenção, documento, registro, mas, de outro, recriam-nos com repertório próprio, gerando frestas pelas quais o falso se torna potência. Tudo se investe de um tom ficcional e mais uma vez o que importa é a dinâmica de opor algo às visões dominantes.

Às vezes encapsulada no contexto político, a memória aparece de forma inusitada; por exemplo, nas inúmeras questões em torno do turismo, traço peculiar da fugacidade da vida contemporânea que transforma lugares e territórios, assim como narrativas, pessoas e costumes, em commodities para o conhecimento superficial e distante da experiência intensa da alteridade. As trocas simbólicas e assimétricas entre centros e periferias, característica importante do contexto globalizado, revelam questões culturais, políticas e sociais que percebemos no modo de constituição do espaço público, bem como nas abordagens de suas formas arquitetônicas e no desenho das cidades.

Algumas obras revelam a potência dos arranjos locais e de suas complexidades. Por um lado, assumem as especificidades locais; por outro, apropriam-se de tudo o que é alheio, aquilo que não é próprio, que não é seu. Campo de tensão por excelência, essa dinâmica entre o próprio e o alheio revela o intervalo por onde escapam as singularidades. O território torna-se fluido e aproxima o que é distante, diferente e longínquo. Processos contemporâneos de deslocamento pelo planeta, como o turismo de massa, os fluxos migratórios ou mesmo o exílio ressignificam as noções mais arraigadas de pertencimento a um território, emprestando novos contornos aos processos identitários.

Sabemos que as cidades de hoje, em todo o mundo, especialmente as metrópoles globais do eixo Sul geopolítico, com suas periferias igualmente globais, atraem imigrantes que, ao contrário do turismo de superfície, favorecem todo um fluxo de pessoas, culturas e costumes, gerando hibridizações no descontrole e na ilegalidade. A solidão, o deslocamento e o estranhamento experimentados pelas pessoas nessas situações serviram a diversas abordagens e envolvimentos presentes nas obras. A linha de fuga possível talvez seja uma natureza artificializada, que mostra a cidade desacreditada como modelo, já que muitas vezes, e para muitas pessoas, ela é um espaço de hostilidade e confronto.

As cidades, sejam grandes ou pequenas, surgem em inúmeras obras, que colocam em dúvida suas tradições de representação e se lançam em outros procedimentos, assimilando tanto a subjetividade como entrada para compreensão e enfrentamento das complexidades do espaço quanto as forças coercitivas do poder e seu papel na estruturação e limitação da experiência urbana. Dimensões míticas, mágicas e locais ganham corpo, aproximando-se da história e da memória na ressignificação dos territórios e dos espaços, assim como de suas experiências.

Na contemporaneidade, a natureza assume novos contornos, extrapolando em muito o projeto modernista de controle e produção. Torna-se um espaço de ficcionalização, ponto de partida para a construção de uma possível linguagem. Ficcionalizar a natureza torna-se saída, caminho político, alternativa que permite instaurar novas visões – que podem vir do mundo mítico, das miradas absolutamente singulares e pessoais, ou de uma crítica ao modo como percebemos nosso entorno.

As formas espaciais, hoje, transitam em um arranjo híbrido entre reais e virtuais, territórios-rede que se formam pelas forças políticas e econômicas, mas também por aquilo que está à margem, que ainda não se formou completamente. Em vez de fronteiras muito explícitas, temos margens tênues e mutantes em novos regimes sensíveis, gerando outras experiências e formas territoriais. A cidade e a arquitetura tornam-se regimes de representação que servem para explicitar a dinâmica dos novos territórios.

Percebemos ainda, nesse recorte da produção, um enorme desejo de reestruturar e ressignificar os cânones da arte, contaminando-os com visões distantes das origens e – talvez dando prosseguimento a atitudes da arte brasileira na década de 1960 – expandindo-os em novas concepções e possibilidades, vindas dos enfrentamentos entre tradição e rearticulação das heranças da história da arte. Assume-se, com esse gesto, um olhar do Sul, que, longe de uma situação estanque de isolamento, se articula na troca e no confronto, colocando-se como uma linha de força que reposiciona a própria noção de modernidade, à qual dá novos contornos, e postulando abordagens que se traduzem em formas inusitadas, criativas e críticas de diálogo e troca. Por isso, encontrar-se com as obras do Panoramas do Sul é uma chance de experimentar as dinâmicas desse diagrama sempre em movimento, que procura em sua fluidez apontar para outros modos de pensar e experimentar a produção artística contemporânea e suas potências, para possibilitar o registro, mesmo que efêmero e temporário, dos temas e reflexões típicos do nosso tempo.

Por Eduardo de Jesus, Fernando Oliva, Júlia Rebouças e Solange Farkas - Comissão Curatorial | 18º Festival de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil

ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil. De 6 de novembro de 2013 a 2 de fevereiro de 2014. p. 19-23. São Paulo, SP, 2013.