Conheça mais sobre o New Media 2012

A+ a-
postado em 15/05/2013
Trinidad e Tobago abrigou festival de novas mídias

Como primeiro conteúdo publicado mediante a parceria entre Videobrasil e revista ARC, a matéria abaixo apresenta ao público brasileiro e internacional um panorama da mais recente edição do New Fest, que se dedica à produção caribenha em videoarte, arte sonora, instalações interativas e cinema experimental. No texto abaixo, adaptado da edição 6 da publicação, temas e obras centrais para a produção do festival são analisados. Este ano, o New Media acontece de 23 a 28.9 na Medulla Art Gallery, Trinidad e Tobago. Uma convocatória está aberta até 31.5 (saiba mais aqui).



Pelo segundo ano consecutivo, a parceria entre o trinidad+tobago film festival e a ARC Magazine apresentou o festival New Media (Novas Mídias), uma seleção de obras voltada exclusivamente à videoarte e ao cinema de vanguarda do Caribe e sua diáspora. Em geral, os festivais de cinema caribenhos exibem documentários e filmes narrativos tradicionais, ao passo que a videoarte e o cinema experimental ou não tradicional são menos compreendidos e reconhecidos; sendo assim, é desejável e necessário colocar estas formas de arte em evidência. “New Media é um termo usado para significar a o modo como tecnologia está mudando e desafiando nossos modos de representação,” observou Holly Bynoe, curador da edição realizada em 2011 na Medulla Art Gallery. Realizado em setembro de 2012, foram exibidas 48 obras experimentais de 33 artistas, numa ampla gama de instalações unidas pela linguagem universal da expressão fílmica. Embora de conteúdo variado, as obras abordaram ideias e temas relacionados ao Caribe.

Novas mídias é um termo que já foi aplicado a uma ampla gama de inovações tecnológicas, como a Internet, redes sociais, e realidades virtuais e interativas. Em se tratando de arte, o termo é usado para definir obras que incorporam diversos elementos tecnológicos em sua estética e apresentação. Nesta exposição em particular, as Novas Mídias estiveram representadas em diversas videoinstalações que expandem – e em alguns casos rompem – as fronteiras entre os registros de arte visual abstrata e a narrativa tradicional.

As Novas Mídias, seja qual for seu formato, já estão presentes na paisagem caribenha há um bom tempo. Em 1999, na Jamaica, David Boxer gerou um debate acalorado sobre a influência que essas mídias teriam sobre o futuro da arte no país ao desafiar a norma estabelecida com suas colagens, montagens e instalações. Em Trinidad e Tobago, elas levaram Christopher Cozier a questionar o que a arte deve e pode ser, e como determinamos o que ela é. Elas também forneceram uma base para artistas da diáspora, como o cineasta britânico Steve McQueen (descendente de granadinos), cujas experiências com instalações, no início de sua carreira, lhe renderam o Prêmio Turner em 1999 e a reputação de ser um dos principais artistas contemporâneos da Grã-Bretanha. Em seguida, ele dirigiu os premiados longas Hunger (2008) e Shame (2012). Qualquer que seja sua definição, as Novas Mídias estão sendo incorporadas a articulações visuais e experimentadas por um público maior nos festivais de cinema da região.


Ryan Oduber, Kima Momo 58 (2012) | still de video, cortesia de Dwayne Heronimo

O Carnaval no Caribe é o festival da carne, uma maneira de expurgar os excessos em preparação para a temporada de contrição e renúncia da Quaresma. Em Aruba, essa purificação final acontece na forma da queima dos bonecos do Rei Momo e Momito, encerrando a celebração carnavalesca. Uma das principais obras da exposição de 2012 foi a interpretação deste tema por Ryan Oduber em Kima Momo 58, que apresenta com humor os aspectos carnavalescos e de bacanal da cultura caribenha. A obra também lida com as questões mais sérias de raça, colonialismo, machismo e os perigos do poder absoluto. As personagens principais são o Rei e a Rainha do Carnaval, que comandam sua corte de foliões. Os dois inspecionam a corte, admoestando seus súditos e cutucando-os para que ajam de forma mais apresentável, educada e festiva. A Rainha às vezes ri ao empurrar e cutucar; o Rei é frio e reservado.

A cena principal de Kima Momo 58 acontece num banquete cheio de excessos e caos. Os monarcas brigam por comida e presentes com os egoístas e a picuinha cresce até tornar-se uma batalha iminente entre homem e mulher, na qual o machismo das sociedades caribenhas revela sua face. A Rainha é oferecida por seu ‘príncipe’ como um sacrifício à corte que ela comandava. Este drama cerimonioso se transfere da corte extremamente decorada para a praia; a rainha é arrastada descalça e sem tiara até a beira do mar, onde é deixada para morrer.


Patricia Kaersenhout, Wilhelmus Project (2010) | still de video

Patricia Kaersenhout investiga suas raízes surinamesas e sua criação numa cultura da Europa Ocidental. Wilhelmus Project apresenta um questionamento único do Hino Nacional Holandês. Kaersenhout usa o hino como objeto central daquilo que descreve como uma “colcha de retalhos de interpretações culturais”, materializada na forma de um coral com membros de diferentes cores que canta o tema em pé, no mar. O coral tem integrantes de seis nacionalidades e canta no The Hell’s Gate, local de muitas batalhas marítimas no século 17. O hino holandês incorpora trechos da Bíblia, do Alcorão, da filosofia árabe, de poemas holandeses e de imagens históricas. Este arranjo combina as melodias originais do hino, música ao estilo Blaxploitation e o hino nacional do Suriname.

Kaersenhout questiona o resultado final deste novo hino de uma maneira profundamente pessoal e simbólica. O que significa ser negro e holandês? De que maneira essa invisibilidade – os diferentes fragmentos que compõem a diáspora africana - será transformada no visível? Qual será o significado disso para um país que está mudando sua filiação política de liberal para preconcebido, preconceituoso, com tendências de direita? Enquanto os integrantes do coral cantam e cada um é investigado em detalhes, as imagens se intercalam com representações gráficas de figuras históricas, recortes de jornal e cenas do imaginário popular.

O artista interdisciplinar haitiano Manuel Mathieu trabalha com diversas mídias, incluindo pintura, desenho, fotografia e videoinstalações. O New Media 2012 apresentou seis obras com temas em comum, como distorção do tempo e subjetividade, realidade versus irrealidade e experiências com justaposições e instalações. Em Evolution, Mathieu apresenta um díptico composto formalmente; do lado direito, uma mulher explica a relação das cartas de tarô com a espiritualidade humana; as leituras correspondem a imagens de interações entre humanos e chimpanzés do lado esquerdo. Esta justaposição pode ser problemática para o público em geral porque o chimpanzé é um símbolo polêmico na espiritualidade de muitas pessoas, devido à Teoria da Evolução de Darwin.

A sequência apresenta uma leitora de tarô analisando a carta de número três, ‘A Imperatriz’; do lado esquerdo há uma longa fila de jaulas, cada uma contendo animais cuidados por um único tratador. A combinação de imagens, palavras e a atmosfera conspiram para imbuir Evolution de questões essenciais acerca da erosão da espiritualidade na sociedade atual. A habilidade de Mathieu em conectar essas teorias a associações visuais rompe com a narrativa tradicional e transcende os limites da linearidade.


Andy Robert, Untitled (Eyes) (2011) | still de video

Andy Robert é um artista interdisciplinar haitiano radicado em Los Angeles que procura questionar as fronteiras do corpo humano e suas limitações por meio de diversos estudos. Untitled (Eyes) registra uma lata de lixo sendo preenchida com água, afetando o sistema sensorial do espectador. Robert demonstra um profundo entendimento da privação, submergindo as imagens, os sons e o próprio espectador juntamente com o contêiner. O posicionamento estratégico da câmera, bem no fundo da lata, oferece uma perspectiva de liberação na qual o controlador da lata de lixo é o mediador e mantenedor do ritmo e do lugar, enquanto a lata muda de posição e desorienta o espectador.

Os esvaecimentos caóticos de Untitled (Eyes) reverberam da esquerda para a direita e por vezes tem-se a sensação de que o espectador deixará de existir, ou será trazido ao mundo por essa agonia. Robert afirma que a obra foi inspirada pela proliferação da cobertura sobre tortura na mídia, diálogos sobre práticas de afogamento e violações dos direitos humanos ocorridas durante o governo Bush. A posição em que Robert coloca o espectador certamente gera empatia com o ponto de vista do artista e das vítimas.


Olivia McGilChrist, Slow Dance (2012) | still de video

O provocador Slow Dance (2012), de Olivia McGilchrist, analisa a cultura popular, as relações de família, o luto e a nostalgia em seus abundantes 20 minutos. Slow Dance é dedicado à memória do pai da autora e procura recriar uma ligação por meio de uma sequência de dança em loop que mostra uma jovem de máscara branca dançando com um homem mais velho. Eles dançam ao som de ‘Going Out of My Head’, canção popularizada por Little Anthony and the Imperials. A dança se intercala com estática de transmissão, que precede uma tela escura, diferentes canções, e o silêncio contemplativo e emocionante.

À distância, a garota parece inócua, mascarada pela inocência e indiferença. Entretanto, a raiva e a perturbação crescentes indicam perda, luto e incerteza. Eles se unem e se separam, e por vezes parecem fantasmas dançando lado a lado, enquanto a realidade surge em sombras desagradáveis na parede. Os períodos de estática que interrompem a dança indicam descontinuidade e anteveem a separação final – a morte. Slow Dance desafia as narrativas convencionais com sua repetição cíclica do pai e da filha dançando, ao mesmo tempo em que apresenta elementos sentimentais nostálgicos.

A coleção de obras reunidas no New Media 2012 desafiaram o modo como pensamos a evolução das tradições artísticas e sua proliferação. Os diferentes temas e apresentações dos artistas caribenhos e seus compatriotas de diáspora mostraram que nossas raízes artísticas estão profundamente entranhadas em nossa sensibilidade, e não só se aplicam às nossas experiências pessoais e subjetividade, mas também operam fora das narrativas estereotípicas e das metáforas de representação. As obras vão do humorístico, reflexivo e contemplativo às percepções viscerais da privação sensorial.

Acima de tudo, o festival New Media visa demonstrar que a arte está evoluindo com base em profundos questionamentos sobre experiências sociais, pessoais e políticas e que, para seus criadores, revelar o próprio eu é um caminho viável e valioso.


Fonte: ARC Magazine

Tags
Acontece