Contiguidade e sucessão
Como diretor regional do Sesc São Paulo, Danilo Santos de Miranda não tem apenas estado à frente de iniciativas de grande relevância na cena cultural da metrópole, mas também, com crescente ênfase, tem se engajado em um debate no qual pensadores como Edgar Morin (que tem obras publicadas pelo selo Edições Sesc SP) e Achille M'Bembe (que participa de encontro do 18o Festival Sesc_Videobrasil) têm papel de destaque - trata-se da descentralização cultural, que se expressa, entre outras formas, na emergência de novos parâmetros de produção de pensamento e fruição artística. No texto que ele assina para o catálogo do Festival, que pode ser lido em primeira mão abaixo, Miranda permeia essa questão, tendo como pano de fundo o evento que celebra 30 anos de aposta em linguagens vanguardistas e coloca em evidência a arte proveniente do Sul geopolítico do mundo.
Arte e aberturas
A 18ª edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil propõe um olhar que se espraia no tempo e no espaço. Esses dois vetores, que se confundem com nossas próprias possibilidades de apreensão do mundo – como sucessão ou como contiguidade –, permitem cotejar parentescos e dissonâncias estéticas num escopo ampliado.
O mundo como sucessão: o espectador é convidado a visitar trinta anos de existência do Festival. Uma mostra histórica ativa o Acervo Videobrasil com o objetivo de sublinhar questões de pertinência contemporânea, a despeito da passagem de tempo. Trata-se de um modo de pensar a História: dar sentido renovado àquilo que passou, para buscar lucidez na construção do presente.
Ponto crucial nesse itinerário, iniciado na década de 1980 e marcado pela internacionalização e pela progressiva diversificação de linguagens, é a parceria com o Sesc, iniciada em 1992. Há, desde então, uma zona de convergência entre Sesc e Videobrasil, caracterizada pela diversidade. Para além da mera variedade, o que está em jogo aqui é dar visibilidade a formas de pensamento e expressão não cristalizados.
O pensador contemporâneo Edgar Morin – amigo presente nas nossas reflexões e ações – habita tal zona de convergência, constituindo importante referência por dar uma conotação geopolítica à diversidade. Morin nos convida a “pensar o sul”, ou seja, a considerar que a ideia de um Sul geopolítico oferece modos distintos de análise e compreensão da realidade. Valores ligados à convivência humana, à noção sistêmica de ambiente e à desconfiança acerca da racionalização excessiva, desenvolvidos em muitas regiões desse vasto “Sul”, funcionariam como oposição a um norte pragmático e homogeneizador.
A orientação do filósofo francês nos conduz a um segundo movimento: o mundo como contiguidade. A exposição Panoramas do Sul reúne facetas da produção artística operando numa chave distinta do eixo Europa Ocidental-Estados Unidos. Artistas da América Latina, África, Leste Europeu, Oriente Médio, Ásia e Oceania articulam um caleidoscópio de versões do hoje. Questionamentos sobre aspectos movediços da contemporaneidade – cidades, paisagens, fronteiras, identidades – materializam-se em seus contrastes mútuos e oferecem possibilidade de conversa com o espectador.
Os dois eixos expositivos configuram linhas de força de uma programação que conjuga ainda publicações, rede de residências artísticas, ações de formação e mediação. Cada aspecto ilumina a visão dos outros, figurando uma complexidade tão cara a Morin. Ao Sesc, ganha relevo a oportunidade de acolher o movimento da arte em sua fértil incompletude. Fica também o convite para que essa incompletude se transforme em abertura a múltiplos olhares, que assim podem efetivar a vocação emancipatória da cultura.
ASSOCIAÇÃO CULTURAL VIDEOBRASIL. 18º Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil. De 6 de novembro de 2013 a 2 de fevereiro de 2014. p. 5. São Paulo, SP, 2013.