Festival debate o papel das residências artísticas
Neste domingo, último dia de programação da intensa semana de abertura do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, as Residências Artísticas entraram no foco da discussão. Pela manhã, uma plateia lotada assistiu ao encontro Hospitalidade e políticas de mobilidade, que debateu a importância das residências artísticas para o fomento da arte, e para o próprio desenvolvimento local, e seus desafios em um mundo globalizado.
Com mediação do artista chileno Amilcar Packer, o encontro contou com a participação do dançarino e produtor cultural americano, Aaron Cesar, diretor da Delfina Foundation, instituição do Reino Unido voltada ao intercâmbio com a Africa e Oriente Médio; da artista Annalee Davis, fundadora do centro cultural Fresh Milk, em Barbados, e da curadora, fundadora e diretora do RAW Material Company, Koyo Kouoh, baseado no Senegal. Koyo também faz parte do júri dessa edição do Videobrasil.
Annalee Davis abriu a mesa apresentando Barbados como talvez o primeiro país globalizado do mundo devido a sua história de colonização, que atraiu britânicos, judeus brasileiros, árabes, indianos e, mais recentemente, chineses. Apesar de sua pluralidade cultural, a nação sofre com o estereótipo de ilha tropical dedicada ao turismo estrangeiro, imagem esta, que Annalee se propõe a questionar. O centro Fresh Milk fica dentro de uma fazenda leiteira – o que para a artista é um gesto revolucionário de hospitalidade, aja visto o passado escravagista local - e surgiu com o intuito de possibilitar a troca de experiência e o desenvolvimento da produção de jovens artistas. O local funciona como galeria, estúdio, residência e promove o intercâmbio entre pessoas de diferentes países. “A coisa mais importante na vida são as conexões humanas e é isso que o Fresh Milk está fazendo”, concluiu Annalee, que além de artista, se considera uma “ativista criadora”.
Para Aaron Cezar, a prioridade do Delfina Foundation são as relações interpessoais, mais do que profissionais. Assim, comer e cozinhar são atividades centrais no local, que apoia artistas em início de carreira (entre eles, William Kentridge, hoje reconhecido internacionalmente e em cartaz em São Paulo). Ele também comentou como as barreiras políticas dificultam o encontro de pessoas e da importância que o Videobrasil tem em possibilitar que libaneses e palestinos se encontrem no festival, uma vez que o trânsito entre países do Oriente Médio é tão difícil. “Às vezes, onde as políticas públicas falham, a arte contemporânea consegue ter resultados”, afirmou Aaron, que destacou também como a Delfina promove o contato entre artistas e populações imigrantes, gerando processos de inclusão.
A curadora Koyo Kouoh também falou das barreiras que os países impõem para o trânsito de pessoas dependendo de quem são e de onde vêm e, para exemplificar, mostrou trabalhos de artistas que trabalham essa temática. E contou que até mesmo na África essas restrições estão aumentando. O Senegal, conhecido por sua abertura (o termo “teranga” significa hospitalidade em wolof, e é usado para definir a população local) acabou de restringir o trânsito de pessoas ao exigir visto de todas as nacionalidades. O RAW material quebra essa lógica ao promover residências de artistas, curadores, escritores e arquitetos que variam de uma semana a seis meses. “Nosso foco, inicialmente, eram os processos educacionais, com os artistas dando como como contrapartida oficinas para a comunidade local, promovendo essa troca cultural. Hoje, somos uma organização não governamental filantrópica de carácter híbrido”, afirmou Kouoh, que abriu espaço para o debate sobre sustentabilidade e autonomia. A Raw possui também uma galeria e um restaurante, através do qual a instituição tanto mantém sua linha curatorial, quanto consegue captar recursos. “Temos vários parceiros e financiadores, mas nos orgulhamos de nossa liberdade”, finaliza a curadora e jurada da mostra competitiva do 18º Festival.
À tarde, o debate em torno das Residências continua, sobre “Transnacionalidade como Horizonte”, às 14h30, com Gabriela Salgado, Ika Sienkiewicz e Mario Caro.