18º Festival: obras premiadas

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postado em 22/11/2013
Catorze trabalhos – dez premiados e quatro menções honrosas – revelam temas e procedimentos da arte do Sul. Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil concedeu prêmio em dinheiro a performance de Luiz de Abreu e residências artísticas em oito países

A impactante performance Samba do Crioulo Doido, do dançarino e coreógrafo mineiro Luiz de Abreu, foi a obra vencedora da mostra competitiva Panoramas do Sul do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil. Vestindo nada mais que um par de longas botas prateadas e um tecido picotado e estampado com a bandeira do Brasil, Abreu desconstrói e ressignifica o corpo negro objetificado ao longo da história brasileira em uma ação de aproximadamente 20 minutos. Nesse ritual, a dança é seu objeto de trabalho, incorporando e expurgando os estereótipos raciais e de gênero, muitas vezes de forma humilhante, em um ato tão político quanto espiritual. 

Na voz de Elza Soares, "a carne mais barata do mercado é a carne negra" é o mantra repetido no início da apresentação, enquanto o performer suavemente realiza uma dança primitiva, sensual e feminina. O ar de deboche toma conta do ato quando Abreu se apropria do tecido estampado com a bandeira nacional, símbolo de um país historicamente dominado por brancos, desfilando como uma passista ao som do emblemático programa de rádio A Voz do Brasil. O desfile termina quando Abreu introduz a bandeira em seu reto, exibindo graciosamente sua cauda positivista em uma espécie de dança de gala, antes de furiosamente execrá-la em um ato destrutivo. O corpo-objeto foi extinguido, e da abolição da figura maculada do negro surge um novo sujeito, livre para constituir sua identidade.

A obra foi vencedora do Grande Prêmio do Festival, no valor de 70 mil reais bruto. O júri de premiação foi composto pelos curadores Cristiana Tejo (Brasil), Koyo Kouoh (Camarões), Pablo Lafuente (Espanha), Yolanda Wood Pujols (Cuba) e Rifky Effendy (Indonésia). Conforme declarou Tejo, o trabalho é relevante “tanto em termos de forma – como a arte se pode dirigir à audiência de maneira radical, cativante e memorável –, como de conteúdo – um conteúdo que fala de um contexto tanto local quanto global”. Solange Farkas, curadora geral do Festival, confirma as que as escolhas do júri “reafirmam a missão do festival, que tem como um de seus objetivos centrais dar visibilidade a obras conceitual e formalmente potentes”. Mas a curadora cita ainda duas outras maneiras pelas quais a premiação reitera posicionamentos do Festival: “a presença de artistas africanos entre os premiados reafirma nossa atenção ao Sul, já que o continente africano pode ser visto como o representante por excelência desse circuito que ainda merece um maior espaço no sistema das artes. Também a forte presença do vídeo nesta premiação revela a consolidação de nossa trajetória”.


A vida sócio-política em revista

Os demais trabalhos premiados abrangem uma ampla gama de temas e procedimentosque oferecem uma amostra da produção recente de vídeo de artistas do Sul geopolítico do mundo, incluindo América Latina, África, Oriente Médio, Sudeste Asiático. Um dos pontos fortes é o debate sócio-político. Em entrevista à equipe Videobrasil, Bakary Diallo, do Mali, premiado com residência artística no Instituto Sacatarna Ilha de Itaparica, Bahia, Brasil, declarou: “É importante estarmos juntos para mantermos a discussão, desenvolvendo novas políticas, diferente de tudo que conhecemos, evitando guerras, tendo uma visão positiva sobre a vida, através de conexões culturais”, o que se reflete na sua obra, Tomo, que aborda poeticamente a devastação existencial provocada pela guerra.

Bakary Diallo - Tomo

O questionamento existencial também se funde ao político em Brisas, do argentino Enrique Ramirez, menção honrosa no Festival. No vídeo, o trajeto do protagonista remete a uma busca pessoal, mas também cita indiretamente a história do Chile e o assassinato de Salvador Allende. Já a videoinstalação Pipe dreams, do artista libanês Ali Cherri (ganhador de Prêmio Res Artis de residência no A-I-R Laboratory, em Varsóvia), centra seu desenvolvimento num evento coletivo e carregado de símbolos, em que a adequação aos papéis sociais não exclui um conflito latente. Além do discurso político, essas obras têm em comum uma relação forte com a linguagem cinematográfica.


A videoarte como expansão do cinema

Mas o cinema também dialoga com outros trabalhos premiados. Diluindo os limites entre documentário e ficção, as obras de Caetano Dias (menção honrosa) e Laura Huertas Millán (prêmio de residência Res Artis, na Arquetopia, Puebla, México) são peças surreais de espírito etnográfico, reconstruindo histórias reais ou possíveis. Rabeca, do baiano Dias, é um trabalho de natureza híbrida, que reúne registros documentais estruturados como filme de ficção, em um tipo de road movie fantástico, em que o rabequeiro Eder Fersant, percorre o vale do rio São Francisco para resgatar o legado da rabeca, em sua relação com a história, os costumes e os mitos da região. Gravado na Estufa Tropical de Lille, França, Journey to a Land Otherwise Known, da colombiana Laura Huertas Millán, parte de relatos e estudos que remontam à descoberta da América para formalizar uma falsa etnografia do Novo Mundo. A arquitetura e plantas do local servem como suporte narrativo ao filme, em tom de crítica irônica ao exoticismo que persiste nos dias de hoje.


Formas simples, proposições complexas

As obras We are One, de LucFoster Diop (prêmio de residência artística FAAP), My Father Footsteps, do paquistanês Basir Mahmood (prêmio de residência a ser realizada no Instituto Sacatar), e 9493, de Marcellvs L. (menção honrosa), são vídeos similares pelo modo como extraem uma complexidade discursiva surpreendente a partir de construções formalmente simples. Ambos realizados com a câmera estática, abrem apenas uma janela para outro tempo e espaço que é apresentado aos visitantes da mostra. Diop registra uma mão atordoada que se movimenta ininterruptamente; Basir registra seu pai tentando, sem sucesso, colocar uma linha em uma agulha; e o brasileiro Marcellvs apenas captura a imagem de um garoto dentro de uma barraca entretido com um jogo eletrônico, em meio a ventos violentos. As imagens das obras contém proposições identificáveis – como a complexidade das relações interpessoais e familiares, a dicotomia entre tempos objetivo e subjetivo – e revelam, a partir de elementos simbólicos muito simples, a universalidade dos temas. “A fragmentação entre seres humanos, é inútil pois essa segregação não existe, somos todos um”, afirma o camaronense Diop.


Identidade cultural e mapeamentos íntimos

Artistas como a israelense Nurit Sharett e o malasiano Sherman Ong dão ênfase a questões relacionadas a construção e compreensão de identidades, em contextos de tramas que envolvem conflitos geográficos e questões sociopolíticas. Na obra The Sun Glows over the Mountains (prêmio de residência China Art Foundation), Sharett narra memórias da infância, que conectam a história de sua família e de seu país, perpassando, inevitavelmente, pelo sonho pacifista de seu avô em torno do Estado de Israel. Já o vídeo Motherland, de Sherman Ong, foca a questão da imigração em Cingapura, que possui uma das mais altas concentrações populacionais no mundo, ressaltando os conflitos íntimos dessas pessoas, bem como questões sociopolíticas da região. O artista explica: “interessa-me a questão do deslocamento social e a fala das pessoas que adotaram um idioma que não é o original de sua família. Busco entender o que pode ser chamado de língua-mãe”.


Olhares sobre o Brasil

Outro segmento de artistas que olham para a realidade local de um ponto de vista afetivo e sociológico são os baianos Ayrson Heráclito e Virgínia de Medeiros, e o recifense Gabriel Mascaro, que trabalham em suas obras com questões antropológicas brasileiras, ressaltando o viés afetivo das relações entre personagens típicos do país. Enquanto a obra Domésticas, de Mascaro (prêmio de residência Wexner Center, Columbus, EUA), aborda o cotidiano das empregadas domésticas, ressaltando relações de subordinação e poder; o vídeo Sergio e Simone, de Virgínia de Medeiros (prêmio de residência ICCo, no Residency Unlimited, Nova York, EUA) , sobrepõe discursos opostos de uma mesma figura, que de travesti torna-se um pregador evangélico, marcando a disputa entre dois sistemas de crença. Já a videoinstalação Funfun, de Ayrson Heráclito (prêmio de residência na Raw Material Company, em Dacar, Senegal), explora a simbologia relacionada à cor branca, a partir da morte de uma líder religiosa de uma cidade do interior da Bahia. Apesar de serem trabalhos que convergem no olhar sobre a realidade brasileira, há inclinações distintas. Segundo Heráclito, “meu interesse sempre foi ficcional e não etnográfico, sempre fui apaixonado por mitologias”; já para Virgínia de Medeiros, “em certas subjetividades, o processo de formação e dissolução de figuras parece fluir mais do que em outras” o que explica a escolha do personagem dupla, que assume “uma lógica de afirmação múltipla e circunstancial”.


Confira abaixo a lista de obras e artistas contemplados:


GRANDE PRÊMIO

Luiz de Abreu (Brasil)

Samba do Crioulo Doido, 2004, performance


PRÊMIOS DE RESIDÊNCIA ARTÍSTICA

Prêmio de residência Res Artis [no A-I-R Laboratory – Varsóvia, Polônia]
Ali Cherri (Líbano), Pipe Dreams, 2012, videoinstalação

Prêmio de residência Sesc_Videobrasil [Na Raw Material Company – Dakar, Senegal]
Ayrson Heráclito (Brasil), Funfun, 2012, videoinstalação

Prêmio de residência Sesc_Videobrasil [No Instituto Sacatar – Itaparica, Brasil]
Bakary Diallo (Mali), Tomo, 2012, vídeo

Prêmio de residência Sesc_Videobrasil [No Instituto Sacatar – Itaparica, Brasil]
Basir Mahmood (Paquistão), My Father, 2010, vídeo

Prêmio de residência Wexner [No Wexner Center for the Arts – Columbus, EUA]
Gabriel Mascaro (Brasil), Doméstica, 2012, vídeo

Prêmio de residência Res Artis [Na Arquetopia – Puebla, México]
Laura Huertas Millan (Colombia), Journey to a Land Otherwise Known, 2011, vídeo

Prêmio de residência FAAP  [No Edifício Lutetia – São Paulo, Brasil]
LucFosther Diop (Camarões), We Are One, 2010, vídeo

Prêmio de residência China Art Foundation [Na Red Gate Gallery – Beijing, China]
Nurit Sharett (Israel), The Sun Glows Over the Mountains, 2012, vídeo

Prêmio de residência ICCo – Instituto de Cultura Contemporânea [No Residency Unlimited – Nova York, EUA]
Virgínia de Medeiros (Brasil), Sergio e Simone, 2010, vídeo


MENÇÕES HONROSAS

Caetano Dias (Brasil), Rabeca, 2013, vídeo

Enrique Ramirez (Chile), Brisas, 2008, vídeo

Marcellvs L. (Brasil), 9493, 2011, videoinstalação

Sherman Ong (Malásia), Motherland, 2011, videoinstalação


Apoio cultural residências artísticas:

China Art Foundation, ICCo - Instituto de Cultura Contemporânea, Res Artis, Residência Artística FAAP, wexner center for the arts, Mondriaan Fund, Arts Victoria, Consulado Geral da República da Lituânia em São Paulo, Instituto Goethe, Embaixada do México no Brasil / Consulado Geral do México em São Paulo, Consulado Geral da França em São Paulo, Norwegian Film Institute / Office for Contemporary Art Norway, WRO Art Center, Fundação Padre Anchieta - TV Cultura