30 Anos: Memórias e Atualizações
No último evento dos Programas Públicos do 18º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, realizado no sábado (01/2), às 16h, no Galpão do Sesc Pompeia, Solange Farkas, fundadora do Videobrasil e curadora-geral da atual edição, falou sobre os ciclos de transformação mais importantes do Festival nas últimas três décadas, relacionando-os com os movimentos da cena artística do Brasil e do Sul Geopolítico. Ao lado de Farkas, e mediados pela jornalista cultural e coordenadora editorial do Videobrasil Teté Martinho, o curador Moacir dos Anjos, o professor e curador Eduardo de Jesus e o jornalista Gabriel Priolli Netto.
O encontro, intitulado 30 anos: memórias e atualizações, integra o Foco 8 dos Programas Públicos, À Luz dos 30 Anos, o último de uma série de 19 momentos de debates entre artistas, curadores, pesquisadores e o público do Festival. Nele, foi apresentada uma síntese dos textos dos convidados para o livro 30 Anos, que recapitula o tempo percorrido pelo Videobrasil, delineando novos contextos para a imagem em movimento, culminando no acolhimento de diversas linguagens artísticas, presentes no evento a partir de 2011, que será lançado este ano.
Para Teté Martinho, a organização desta publicação por ocasião da celebração das três décadas de história do Festival serviu “para entender melhor o histórico do o Festival e atualizá-lo”, afirmou. A mediadora do debate começou por levantar os aspectos que mais se destacaram no evento nas últimas trës décadas. “Os anos 1980 foi um catalisador do movimento audiovisual brasileiro, em meio a uma ditadura militar, explica. Na efervescente virada estética e poética das artes visuais àquela época, o Videobrasil acolheu um movimento que tentava mudar a situação crítica do início dos anos 80”, completou Martinho.
O jornalista Gabriel Priolli Neto iniciou sua fala fazendo um retrospecto das transformações da TV no Brasil no final dos anos 70 e início dos anos 80 para explicar em que ambiente e contexto o Videobrasil surge, em 1983. Priolli lembra o fim da censura à imprensa no final da década de 70: “Com um afrouxamento dos mecanismos de censura, houve uma retomada dos debates políticos na TV, considerados antes tabus”, comentou o jornalista.
Priolli explicou que, nesta época, os jovens estavam começando a trabalhar e a estudar o campo do audiovisual, cujos primeiros cursos eram criados nas universidades. Os primeiros videocassetes surgem em 1972, ao mesmo tempo em que a TV Tupi começa a exibir o programa Abertura, do anárquico cineasta Glauber Rocha, propondo uma linguagem diferente da convencional da TV.
Segundo o jornalista, a chegada aos anos 80 impunha uma visão crítica à produção existente. Uma nova proposta política-estética se estampava nos vídeos independentes, a MTV surgia, fomentando um mercado de audiovisual e musical, e o rock brasileiro emergia, com uma geração de jovens músicos e roqueiros. Logo, o Videobrasil nasce também como um palco de debates, em que se levantava marcos regulatórios no âmbito da TV. “Era aqui que vários temas sobre a TV foram aprofundados, incluindo o debate político da Constituinte”, afirma Priolli. Este ambiente e espaço criativos, segundo ele, deram luz a ótimos programas na TV, que com o DNA do vídeo independente.
O curador Eduardo de Jesus optou por relacionar as peculiaridades do vídeo e da performance aqui no Brasil e a relação entre as duas modalidades, matérias-primas do Videobrasil. “A relação entre performance e o vídeo deu esta ideia, está clareza de tempo presente”, afirma Jesus.
Entre análises de estudiosos do tema, o curador chamou a atenção para a o aspecto que inaugura a performance no vídeo. Segundo ele, foi no circuito das instalações a estreia da performance, que é ligada ao tempo e emergencia o tempo presente. O vídeo, por sua vez, capta a imagem em movimento. Se o vídeo transmitia e gravava ao mesmo tempo, logo ele poderia potencializar esta iminência do tempo presente (da performance). “Foi a partir desse pensamento que ele começou a entrar na arte, e a trazer este vetor de presenticidade para o fazer artístico”, explica Jesus, lembrando que o Videobrasil exibiu pela primeira vez esta relação entre vídeo e performance em sua 15ª edição.
O curador Moacir do Anjos deu enfoque em seu discurso para o tema permanente da mostra – Panoramas do Sul – , comentando a relação entre o sul geopolítico e o norte, e o percurso do Festival na parte do mundo que se convencionou chamar de Sul. Anjos cita trabalhos de artistas, como Torres Garcia e Cildo Meirelles, que colocam em evidencia as condições contrárias dos dois “polos”, para expor sua visão crítica ao padrão imposto pelo norte (constituído basicamente pela Europa e Estados Unidos). Para mostrar em que cenário o sul tenta definir seu lugar no mundo, ele recorre ao real siginificado de alguns fenômenos da história, como a globalização, e cita Eric Hobsbawm, para quem o século XX acabou antes de seu tempo crononológico.
Para Anjos, o Sul - colonizado, marginal, periferia do mundo -, após ser submetido ao Norte - ocidente, centro, hegemônico -, precisa reinventar o que foi fraturado pelo domínio do Norte. Ao privilegiar artistas do Sul Geopolítico do mundo, o Videobrasil faz com que a arte dita menor faça frente ao padrão do norte global. “Pois os artistas podem se situar em qualquer parte, pois a expressão não tem a ver com a parte física em que vivem “.
A idealizadora do evento, Solange Farkas, encerrou o debate explicando que o Videobrasil de consolidou como uma plataforma de trabalho que opera na perspectiva da inclusão. Segundo Farkas, as dez primeiras edições do Festival tiveram um papel social transformador em meio ao momento crítico pelo qual o País passava. “Com uma TV que atendia ao governo militar, era preciso achar brechas para poder propor mudanças”, explica.
Farkas contou que ao mapear os lugares com pouca visibilidade para compor uma mostra que privilegiasse a produção artística do Sul Geopolítico, a intenção não era fazer uma oposição ao Norte, e, sim, promover uma troca entre os países do Sul para que estes pudessem estabelecer, de fato, uma relação entre eles, e com o Norte. “O intuito era diminuir as injustiças e colocar a gente (o Brasil) em um certo protagonismo”, explicou.
Voltado desde o ano 1992, quando inicia sua parceria com o Sesc São Paulo, para a produção artística de países do Sul Geopolítico (América Latina, Leste Europeu, África, Oriente Médio, Sudeste Asiático e Oceania), o Videobrasil, em suas três décadas, fez uma história baseada no pioneirismo e na experimentação no campo das artes. Começando em 1983 pelo vídeo, uma linguagem nova e contestadora , passando, a partir de 1990, por suas variáveis, como a videoinstalação e a poesia visual. A partir da década de 2000, conforme aprofundava seu processo de internacionalização, o Festival abria-se para novas formas de arte, como a performance, para a qual dedicou a 15ª edição, em 2005, até abrir-se para todos os gêneros e inovações da arte contemporânea do Eixo Sul, em 2011.