Domingo estreia no centro de São Paulo

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postado em 27/10/2014
Praça lotada, público em espreguiçadeiras de praia, centro ocupado: exibição ao ar livre do novo filme de Karim Aïnouz reúne mais de 250 pessoas no Largo São Francisco

O novo filme de Karim Aïnouz, Domingo, integrante da série Videobrasil Coleção de Autores, estreou em São Paulo na noite de 25 de outubro. A première paulistana, inserida na programação da 38ª Mostra Internacional de Cinema, reuniu cerca de 250 espectadores em sessão especial ao ar livre no Largo São Francisco, em parceria entre o Videobrasil, a Mostra Internacional de Cinema e o Centro Aberto São Francisco, projeto municipal que pretende intensificar a fruição do espaço público e promover outros meios de vivenciar a cidade. Cadeiras de praia acomodaram o público sobre o deck de madeira e um antigo prédio adjacente teve sua lateral utilizada como superfície para a projeção. Antes e depois da exibição do filme de 26 minutos, uma discotecagem promovida pelo Videobrasil (por Eduardo Haddad) criou o clima de lançamento do filme em São Paulo.

A maioria do público presente a exibição nunca havia estado no Largo, revitalizado pelo projeto da Prefeitura Municipal. A exibição ao ar livre, em um espaço público, dentro da programação da mais importante mostra de cinema de São Paulo, estabeleceu uma relação direta entre a exibição e o filme de Karim Aïnouz. O curta-metragem Domingo é o registro autoral e poético de Karim sobre as relações possíveis entre as obras do artista visual dinamarquês Olafur Eliasson e os espaços públicos da cidade de São Paulo. Ao tomar a cidade como matéria-prima, Karim e Olafur a ressiginificaram, propondo novas experiências sensoriais e percepções.

Antes do início da sessão, Thereza Farkas, diretora de programação da Associação Cultural Videobrasil, apresentou a série Videobrasil Coleção de Autores (VCA), da qual Domingo faz parte e é o sétimo título lançado. Produzida em parceria com o Sesc São Paulo desde 2000, a série busca dar visibilidade ao pensamento e ao processo de trabalho de artistas contemporâneos de relevo na cena internacional a partir do olhar de diretores convidados. Em seguida, a equipe da produtora Coração da Selva, agradeceu a todo o público presente em nome do diretor, que não pode comparecer à sessão pois estava filmando no exterior.

O encontro entre Karim Aïnouz e Olafur Eliasson se deu em 2011, no período em que o artista dinamarquês realizou sua primeira mostra individual na América Latina. A exposição Seu Corpo da Obra aconteceu paralelamente à 17ª edição do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, ocupando o Sesc Pompeia, o Sesc Belenzinho, a Pinacoteca do Estado de São Paulo e diversos espaços públicos da cidade. A região central de São Paulo, onde Domingo teve sua estreia,  permeou um projeto inédito concebido pelos dois artistas em colaboração. Em Your Empathic City (2011), Olafur sobrepôs luzes coloridas a imagens do Minhocão captadas por Karim, criando filtros e texturas na videoinstalação exibida no Galpão do Sesc Pompeia. Outra obra que estabeleceu forte diálogo com o espaço público de São Paulo foi Your New Bike (2009), registrada por Karim Aïnouz para o filme Domingo. Bicicletas com rodas substituídas por espelhos foram estacionadas em locais de intenso tráfego de veículos e pedestres. O público, cotidianamente habituado às bicicletas como novo elemento corrente da paisagem urbana, precisava de um olhar mais detido para percebê-las no Parque do Ibirapuera, no Largo de São Bento, na Rua da Consolação, no Viaduto do Chá ou na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta.

Domingo vai além do mero registro videográfico por sua liberdade de interpretação, pela criação de narrativas e possibilidades imagéticas, e pela sugestão de novos sentidos na aproximação entre a obra de Eliasson, a cidade de São Paulo e sua população. À Folha de São Paulo, o diretor revelou ter começado “a pensar no filme como uma conversa orgânica” entre o seu trabalho e o de Eliasson. Para além disso, considerou que “este encontro (...) vai contaminar a maneira como penso a narrativa daqui para frente”.

O evento em São Paulo encerra a programação de lançamento de Domingo, que teve estreias no Rio de Janeiro (integrando a programação do Festival do Rio 2014, um dos um dos mais aclamados eventos de cinema da América Latina) e em Fortaleza, onde segue em exibição no Museu de Arte Contemporânea do Ceará até o dia 9 de novembro. Os seis primeiros filmes da série VCA têm uma retrospectiva especial no Sesc TV até 1º de dezembro (acesse a programação no site do Sesc São Paulo – www.sesctv.org.br). 

Videobrasil | Fronteira entre o cinema e as artes visuais

Em 2013, o Videobrasil comemorou três décadas de realização de seu Festival, uma plataforma que surgiu como primeira alternativa para exibição e estímulo à produção em vídeo no país. Desde sua criação em 1983, o Festival se configurou como um ambiente para a experimentação de linguagens e a quebra de paradigmas. Nesse primeiro momento, já conviviam lado a lado produções ligadas à experimentação e à videoarte, assim como trabalhos com linguagem mais documental, próxima ao cinema, incluindo, os primeiros filmes do cineasta Fernando Meirelles (Cidade de DeusEnsaio sobre a Cegueira), como Garotos do Subúrbio e Marly Normal, ambos produzidos pela Olhar Eletrônico em 1983 e premiados no Festival, integrando o Acervo Videobrasil.

Ao longo dos anos, o Festival se internacionalizou ao mesmo tempo em que acompanhava (e, muitas vezes, antecipava) a dinâmica da produção em arte contemporânea, abrindo-se para as artes eletrônicas e performances. Em 2011, passou a abarcar todas as linguagens artísticas. Durante todo esse período, o Videobrasil se manteve como espaço para a exibição de trabalhos que transitam entre o cinema e as artes visuais. Obras híbridas, resultado de um cinema expandido, criadas por artistas como Cao Guimarães, Carlos Nader, Kiko Goifman, Wagner Morales e Gabriel Mascaro, entre outros, foram exibidas em diversas edições do Festival e fazem parte da Coleção Videobrasil.


Programação completa
Exibição de Domingo e mostra especial dos filmes da série VCA

12/10 a 09/11
Exibição de Domingo no Museu de Arte Contemporânea do Ceará
1º piso do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (ver horários do Museu)
http://www.dragaodomar.org.br/espacos.php?pg=mac

13/10 a 01/12
Retrospectiva VCA NO SESC TV | www.sesctv.org.br


MAIS INFORMAÇÕES

Sobre Karim Aïnouz

O cineasta brasileiro Karim Aïnouz construiu sua carreira no cinema com forte marca autoral. Em seu currículo constam obras como os longas-metragens Madame Satã (2001), O Céu de Suely (2006), Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo (2009, dirigido ao lado de Marcelo Gomes) e O Abismo Prateado (2013), além de três curtas, uma série para a TV e colaborações como roteirista em filmes como Abril Despedaçado (2002, Walter Salles) e Cinema, Aspirinas e Urubus (2005, novamente com Marcelo Gomes). Seu mais recente longa-metragem, Praia do Futuro, estreou em maio de 2014 e concorreu ao Urso de Ouro no Festival de Berlim.

Sobre Olafur Eliasson

O dinamarquês Olafur Eliasson ocupa posição de destaque internacional entre os artistas contemporâneos. Sua obra e pesquisa são voltadas para intervenções no espaço urbano, projetos arquitetônicos e processos de percepção e construção da realidade. Utilizando diferentes suportes, como escultura, pintura, fotografia, vídeo e instalação, o artista exibiu suas obras ao redor do mundo, com destaque para a Bienal de Veneza, Tate Modern e MOMA. No Brasil, o artista tem três de suas obras em exposição no Inhotim.

Sobre Domingo – o filme

Domingo é um curta-metragem autoral de Karim Aïnouz construído a partir do registro de dez domingos, entre 12 de fevereiro e 30 de dezembro de 2012, na cidade de São Paulo, criando uma referência de tempo e espaço que ajuda a construir uma narrativa marcada pela temporalidade. O filme tem como personagens principais a própria cidade de São Paulo e a obra de Olafur Eliasson. Nas imagens de Karim, ricas em luzes, texturas e sobreposições, surge uma nova São Paulo a partir do exercício de imaginar as relações entre o trabalho de Olafur – marcado pela criação de experiências a partir de um “vazio”, da interrupção do cotidiano e reinvenção do espaço – e essa grande metrópole. O público registrado nas mostras e os transeuntes captados nas imagens são como coadjuvantes em um espetáculo que nos convida à contemplação e à reflexão.

Branco, fumaças, silhuetas, risos ouvidos ao longe... Um ambiente onírico, de transparência e luzes, marca a transição de uma abertura alucinada em ritmo de música eletrônica e estrobos para cenas contemplativas da cidade de São Paulo. Karim Aïnouz parte da textura criada pela obra Your Felt Path (Seu Caminho Sentido, 2011) para dar início a Domingo. Nele, um casal percorre um espaço transformado quase numa aquarela em preto e branco. Como em um prólogo, Karim nos propõe atravessar um túnel de luz e som para apresentar uma cidade habitada por experiências e sentidos, por prédios e estruturas, por vazios e espaços abandonados, por carros, por pessoas e pelas obras de Olafur Eliasson.

Domingo também é vivo em cores. Do azul e do lilás do amanhecer, com o amarelo dos faróis dos carros, cujos ruídos se transformam em trilha com seus motores e sirenes, às cores quentes e intensas do vermelho e do verde aplicados como filtros à paisagem da cidade, agora já diurna, ocupada por transeuntes. Em alguns dos seus domingos, Karim Aïnouz faz referência direta à obra Your Empathic City (Sua Cidade Empática, 2011), criada por Olafur com sua colaboração, com projeção de imagens do Minhocão, viaduto que forma uma das principais paisagens de São Paulo, com sobreposição de filtros formados por películas coloridas – material recorrente no trabalho do dinamarquês. Essa mesma estratégia criativa estava presente no labirinto montado no Sesc Pompeia, na obra Your Body of Work (Seu Corpo da Obra, 2011), que deu título à exposição no Brasil. Em Domingo, as imagens se transformam em registros de filtros de luzes, cores, espelhos e reflexos com os quais Karim vê, reinterpreta e nos apresenta a cidade de São Paulo por meio das obras de Olafur.

Um dos momentos de maior aproximação entre o trabalho dos dois artistas é quando Karim se detém sobre as bicicletas da obra Your New Bike (Sua Nova Bicicleta, 2009), registradas em abandono, refletindo em suas rodas espelhadas uma cidade chuvosa, vazia. Um clima nostálgico parece evocar a necessidade de uma cidade mais humana, reforçado pelo registro em lettering dos pontos onde duas delas foram extraviadas.

Essa mesma sensação de vazio, ou melhor, de falta de espaços de convivência humana na cidade, é transmitida pelo registro de espaços públicos abandonados. Promessas de construção de praças, parques, quadras esportivas e playgrounds são reforçadas pelo preto e branco da imagem e pelo áudio que sugere sua ocupação ideal, como a expressão de um desejo de futuro, com vozes de crianças, canto de pássaros e barulhos de jogos de futebol e basquete.

Em outros momentos, a ação se transfere para os espaços expositivos onde foram montadas as obras do artista dinamarquês, como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que abrigou a instalação de espelhos Take Your Time (Tome Seu Tempo, 2008), e o deck do Sesc Pompeia. E é nesse último espaço, onde foi instalada Waterfall (Cachoeira, 1998), que a câmera de Karim mais se aproxima da figura humana, reunida em torno da água para um ritual de banho de sol e de pausa da vida cotidiana.

Ao final, o filme se conclui a partir da visão fragmentada da cidade de São Paulo, captada em um caleidoscópio de imagens sugeridas pela obra Your Shared Planet (Seu Planeta Compartilhado, 2011). Uma escolha precisa do cineasta brasileiro para mostrar quão multifacetada e heterogênea pode ser tanto a cidade de São Paulo quanto a poética de Olafur Eliasson.

Videobrasil Coleção de Autores – VCA

Criada em 2000, a Videobrasil Coleção de Autores – VCA nasceu com a perspectiva de dar visibilidade ao pensamento e ao processo de trabalho de artistas contemporâneos de relevo na cena internacional. Diretores convidados realizaram obras documentais sobre importantes artistas contemporâneos, como o sul-africano William Kentridge, o libanês Akram Zaatari, a norte-americana de origem cubana Coco Fusco, os brasileiros Rafael França, Chelpa Ferro, e a dupla Mau Wal (Maurício Dias, Brasil, e Walter Riedweg, Suiça). O lançamento de Domingo marca uma nova fase da VCA, configurando-a como projeto de encontro entre artistas tendo como resultado filmes autorais.

Sobre o Videobrasil

Fundada e dirigida pela curadora Solange Farkas, a Associação Cultural Videobrasil se dedica ao fomento, à difusão e ao mapeamento da arte contemporânea, bem como à formação de público e ao intercâmbio entre artistas, curadores e pesquisadores. Independente e comprometida com o papel questionador da arte, tem se voltado com crescente ênfase para ações públicas e de ativação de seu Acervo – uma representativa coleção de vídeo e performance do Sul geopolítico global. Neste sentido, destina especial atenção à produção oriunda de América Latina, Caribe, África, Oriente Médio, Leste Europeu, Sul e Sudeste Asiático e Oceania, promovendo e articulando uma rede de cooperação internacional.

O Videobrasil realiza ainda exposições, mostras itinerantes, publicações sobre cultura e arte contemporânea, programas públicos, produtos audiovisuais e programas de residência artística, além de um festival internacional de periodicidade bienal, em parceria com o Sesc São Paulo, correalizador do evento desde 1992. Em 2013, o Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil completou três décadas atuando nas lacunas do universo da arte e no estímulo à experimentação artística: quando a videoarte surgia na cena brasileira, criou o primeiro festival voltado à modalidade e facilitou sua consolidação. Mais tarde, abriu-se à arte eletrônica e, depois, incluiu também a performance e as práticas mistas. Desde 2011, passou a abranger todas as linguagens artísticas contemporâneas.

Ao mesmo tempo em que promove e dá visibilidade à produção de países e de artistas fora do eixo hegemônico da Europa e América do Norte, o Videobrasil também foi responsável por trazer ao país nomes de peso da arte internacional, ampliando o acesso do público local a obras de artistas essenciais para a arte contemporânea. Produziu exposições com artistas como Olafur Eliasson, Akram Zaatari, Gary Hill, Walid Raad, Joseph Beuys, Sophie Calle, Isaac Julien, Peter Greenaway, Marcel Odenbach, William Kentridge, Maria Magdalena Campos Pons, entre outros.

Sobre o Sesc São Paulo

Criado pelo empresariado do comércio e serviços brasileiro há mais de sessenta anos, o Sesc – Serviço Social do Comércio – baseia suas ações em um sólido projeto cultural e educativo, voltado à inovação e à transformação social. O Sesc inovou ao introduzir novos modelos de ação cultural e sublinhar, na década de 1980, a educação permanente como pressuposto para a transformação social. A concretização desse propósito se deu por uma intensa atuação no campo da cultura e suas diferentes manifestações, destinadas a todos os públicos, em diversas faixas etárias e estratos sociais.

No estado de São Paulo, o Sesc conta com uma rede de 32 unidades, em sua maioria centros culturais e desportivos. Oferece também atividades de turismo social, programas de saúde, educação ambiental e inclusão digital, e programas especiais para crianças e terceira idade. É o principal parceiro do Videobrasil há mais de 20 anos e abriga as exposições da Associação, a Videoteca e o Festival de Arte Contemporânea.

Mais informações: www.sescsp.org.br

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