10º Caderno Sesc_Videobrasil trata de relações entre arte e história
No dia 5 de fevereiro de 2015 (quinta-feira), às 20h, a Associação Cultural Videobrasil e as Edições Sesc São Paulo lançam o décimo Caderno Sesc_Videobrasil na Livraria da Vila (São Paulo, Brasil). Na ocasião, Elvira Dyangani Ose, primeira curadora estrangeira convidada a assinar a edição do Caderno, participa de conversa sobre o tema da publicação, Usos da Memória com o artista Theo Eshetu, um pioneiro da videoarte. O encontro, aberto ao público, é mediado por Teté Martinho, coordenadora editorial da Associação Cultural Videobrasil.
Elvira Dyangani Ose (Espanha/Guiné Equatorial), residente em Londres, é curadora da próxima edição da Bienal Internacional de Arte Contemporânea de Gotemburgo (2015), na Suécia, e ex-curadora de arte internacional da Tate Modern, em Londres (2011-2014). Para o Caderno Sesc_Videobrasil 10: Usos da Memória, ela reuniu alguns dos mais importantes artistas e pesquisadores de países africanos ou da diáspora, que contribuíram com ensaios, textos, entrevistas, fotografias e frames de vídeos, ilustrações e documentos digitalizados. Suas colaborações lidam com o contexto da massiva descolonização da África, ocorrida entre as décadas de 1950 e 1970, gerando reflexões sobre o arquivo e a história como foco da arte e da sua relação com a construção ou resgate da memória, a fim de reformular as representações históricas.
“Muitos artistas contemporâneos contestam a pretensão de fidedignidade e totalidade da história, e fazem da arte um exercício de construção e/ou resgate da memória que almeja reformular a narrativa histórica”, relata Elvira Dyangani Ose. Para os colaboradores desta publicação, “a arte é um álibi para reivindicar para a perspectiva individual a narrativa de uma memória coletiva”, escreve a editora no texto que apresenta e dá título ao Caderno, Usos da memória. [Saiba mais sobre Elvira Dyangani Ose e sua colaboração no Caderno 10]
No lançamento do Caderno Sesc_Videobrasil 10, Dyangani Ose conversa com Theo Eshetu (Reino Unido/Etiópia), artista que vive e trabalha em Berlim e já teve suas obras exibidas na 54ª Bienal de Veneza, na Tate Britain (Londres, Reino Unido), no Stedelijk Museum (Amsterdã, Holanda) e no New Museum (Nova York, EUA), entre outros. Eshetu contribuiu com o Caderno com uma proposição artística de narrativa fragmentada, criada a partir do registro em vídeo de sua viagem à Etiópia como homenagem a seu avô, que pertenceu à corte do imperador Haile Selassie (1892-1975). [Saiba mais sobre Theo Eshetu e sua colaboração no Caderno 10]
Arquivo, memória e história: práticas artísticas questionam narrativas hegemônicas
Além de Theo Eshetu, o Caderno Sesc_Videobrasil 10: Usos da Memória reúne participação de outros artistas e pesquisadores que se dedicam a produzir ou refletir sobre práticas artísticas que envolvem arquivo, memória e história em tentativas de ampliar, problematizar ou lançar novos significados sobre narrativas hegemônicas.
Um dos destaques da publicação é a contribuição do The Otolith Group, duo formado por Anjalika Sagar e Kodwo Eshun, indicado, em 2010, ao Turner Prize, maior prêmio britânico voltado às artes visuais. Explorando os legados e os potenciais das lutas pela libertação, o tricontinentalismo, os futuros especulativos e a ficção científica, The Otolith Group já exibiu seu trabalho na dOCUMENTA (13) (Kassel, Alemanha), na 29ª Bienal de São Paulo (Brasil), na Tate Britain e na Tate Modern (ambas em Londres, Reino Unido) e no Stedelijk Museum (Amsterdã, Holanda). Em Narciso de Uniforme, o grupo analisa os selos postais lançados na África na década de 1960 e afirma que tais selos “ignoravam a instabilidade dos novos estados independentes da África”. A ampla pesquisa culminou na instalação Statecraft (2014), exibida recentemente no Bergen Kunsthall (Noruega), na qual o processo de descolonização podia ser visualizado como um calendário político criado a partir de selos postais. The Otolith Group participou do 15º Festival (2005) com o vídeo Otolith, obra que desde então integra o Acervo Videobrasil.
frame de "In the Year of the Quiet Sun", 2013 © The Otolith Group
A artista Maryam Jafri apresenta no Caderno os ensaios visuais Getty vs. Ghana, Corbis vs. Mozambique e Getty vs. Kenya vs. Corbis, todos de 2012, nos quais contrapõe fotografias históricas idênticas encontradas nos arquivos oficiais desses países e nos acervos de agências fotográficas comerciais. “A obra examina alguns dos mais poderosos bancos de imagens do Ocidente, denunciando a forma negligente como compilam dados e manipulam fotografias, mas, sobretudo, destacando as disputas sobre propriedade entre instituições públicas e empresas privadas”, escreve Elvira na publicação.
É também sobre um acervo fotográfico que trata Um Tempo Bom, da artista e pesquisadora Emma Wolukau-Wanambwa: no trabalho, ela se debruça sobre os raros exemplares de uma série de fotografias das prisões do Protetorado de Uganda, produzida nos anos 1950 pelo governo britânico. Os arquivos haviam sido contrabandeados das colônias, então prestes a se tornarem independentes, para o Reino Unido a fim de garantir que, após a independência, as ex-colônias não tivessem acesso a informações que pudessem constranger o governo do país ou motivar disputas judiciais. Nessa proposição, segundo Elvira, é evidente a “tensão que persiste na narrativa colonizador-colonizado”.
O Chimurenga é um coletivo pan-africano que se auto denomina “um objeto que muda conforme o projeto: uma revista impressa ocasional, um espaço de trabalho e uma plataforma para atividades editoriais”. Seus projetos atuais incluem o jornal trimestral Chronic; a Chimurenga Library, instalação eventual de projetos de pesquisa e arquivo on-line de iniciativas editoriais; e a Pan African Space Station, plataforma de música abrigada na internet. O Chimurenga colabora com o Caderno 10 com FESTAC ’77 – Um Projeto de Pesquisa, mapeamento do legado do 2º Festival Negro Mundial de Arte e Cultura Africana realizado em Lagos, maior cidade da Nigéria, no ano de 1977.
Dois ensaios reflexivos ampliam as questões suscitadas pela editora e pelas colaborações artísticas presentes no Caderno 10. Em Arquivando para o Esquecimento, Yaiza Hernández Velázquez, professora de Estudos de Exposição e de Filosofia e Teoria da Arte na Central Saint Martins (Londres, Reino Unido), reflete sobre os motivos que fizeram do arquivo “uma questão para a arte contemporânea” na década de 1990. “Talvez seja melhor entendê-lo não como gênero, meio, tema ou pré-condição, mas como uma tentativa da obra de arte de escapar do lugar a-histórico para o qual havia sido tradicionalmente designada”, escreve. “O ato de arquivar não é mais o que costumava ser, tampouco a memória; aliás, nem mesmo o museu. Os arquivos antigos se erigiam como edifícios cuidadosamente protegidos, ligados à administração do poder. (...) Hoje, foram amplamente substituídos por uma massa de dados não processáveis em contínua expansão”.
Em Uma Direção Diferente: Escrevendo a História com a Engenhosidade de uma Obra de Arte, a crítica, curadora, editora e pesquisadora Tracy Murinik, especializada na produção artística contemporânea do continente africano, entrevista Premesh Lalu, professor de história e diretor do Centro de Pesquisas em Humanidades da Universidade do Cabo Ocidental na África do Sul, sobre as relações entre arte e história naquele país e no continente africano. “Acho que muitos artistas estão, de fato, mostrando como é difícil estabelecer uma conexão entre história e arte. A disciplina de história da arte é uma disciplina que batalha muito no continente africano; batalha para manter algum grau de semelhança e coerência entre essas duas configurações. Isso é tão perturbador que me parece que temos, aqui, o potencial e a possibilidade de mudar de rumo; justamente ao questionar, de uma forma diferente, a relação entre história e arte”, sugere Lalu.
O caráter pan-africano desta edição e a internacionalidade das colaborações e dos participantes convidados expandem temas abordados nas recentes edições do Caderno Sesc_Videobrasil: o Caderno 9 (Geografias em Movimento), com curadoria de Marie Ange Bordas, explorou a territorialização e as cartografias afetivas, enquanto que o Caderno 8 (Pertença), curado por Moacir dos Anjos, interrogou e ressignificou ideias de pertencimento, tratando do impasse entre a diluição de fronteiras de identidade nacional e a afirmação de especificidades culturais regionais. Questões fundamentais à Associação Cultural Videobrasil que, especialmente dedicada ao fomento, difusão e mapeamento da arte contemporânea do circuito geopolítico Sul, atua em prol de um campo artístico e cultural de regiões que precisam de novas formas de circulação e visibilidade de sua produção.
O Caderno Sesc_Videobrasil 10_Usos da Memória tem edição de Elvira Dyangani Ose, coordenação editorial de Teté Martinho e projeto gráfico de Daniel Trench + Celso Longo. Com 144 páginas, a publicação bilíngue (português/inglês) estará à venda na Livraria da Vila – Fradique e na Livraria Virtual do Sesc São Paulo a R$ 56,00 a partir da data do lançamento.
FICHA TÉCNICA
Caderno Sesc_Videobrasil: Usos da memória
Realização do Serviço Social do Comércio e da Associação Cultural Videobrasil
Curadoria de Elvira Dyangani Ose
São Paulo: Edições Sesc São Paulo, n.10, 2014. Anual. 144 p.: il. fotografias
Bilíngue (inglês/português)
ISBN: 978-85-7995-166-4
Caderno Sesc_Videobrasil 10_Usos da Memória
Editorial
Solange Farkas; Teté Martinho
Usos da memória
Elvira Dyangani Ose
Arquivando para o esquecimento
Yaiza Hernández Velázquez
FESTAC ’77 Um projeto de pesquisa
Chimurenga
Sangue. Da luz e semelhança
Theo Eshetu
Getty vs Ghana / Corbis vs Mozambique / Getty vs Kenya vs Corbis
Maryam Jafri
Narciso de uniforme
The Otolith Group
Um tempo bom
Emma Wolukau-Wanambwa
Uma direção diferente: escrevendo a história com a engenhosidade de uma obra de arte
Premesh Lalu entrevistado por Tracy Murinik
SERVIÇO
Lançamento do Caderno Sesc_Videobrasil 10: Usos da Memória com conversa entre a curadora/editora Elvira Dyangani Ose e o artista Theo Eshetu, com mediação da coordenadora editorial da Associação Cultural Videobrasil Teté Martinho
QUANDO: 5 de fevereiro (quinta-feira), às 20h
ONDE: Livraria da Vila – Fradique | Rua Fradique Coutinho, 893 – Vila Madalena, São Paulo
Entrada franca