Acervo Videobrasil no Marker Art Dubai
A Associação Cultural Videobrasil participou do programa curatorial Marker 2015, da feira Art Dubai, com uma exclusiva seleção de obras de sua coleção. De 17 a 21 de março, treze obras produzidas por artistas do Brasil e do Líbano foram exibidas no programa Videobrasil Collection at Marker Art Dubai, que apresentou produções destes países por meio de trabalhos que integraram as últimas edições do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil. Os vídeos selecionados para exibição no Marker 2015 atestam a relevância do Festival, do Acervo Videobrasil e dos artistas que constroem sua história.
O programa reuniu artistas brasileiros com trajetórias já consolidadas, como Caetano Dias, Cao Guimarães, Eder Santos, Nuno Ramos, Paulo Climachauska e Tatiana Blass. Também foram contemplados promissores artistas emergentes, a exemplo de Cinthia Marcelle e Guilherme Peters. Fez ainda parte da programação um dia dedicado exclusivamente à exibição de obras de proeminentes artistas do Líbano, como Akram Zaatari, Ali Cherri, Mounira Al Solh e Ziad Antar, país que faz parte da história do Festival e desempenha papel expressivo na entrada e acesso do Videobrasil ao Oriente Médio desde a internacionalização do Festival na década de 1990.
Em sua nona edição, a Art Dubai, maior feira de arte do Oriente Médio, África e sul da Ásia, voltou-se para a produção da América Latina. Sob a curadoria de Luiza Teixeira de Freitas, o Marker 2015 explorou as aproximações artísticas e conexões entre a América Latina e o mundo árabe, a exemplo dos históricos de migração e de relações comerciais. Thereza Farkas, diretora de programação do Videobrasil, foi convidada pela curadora a conceber um programa para o cinema da Art Dubai. A proposta, segundo Luiza, era “olhar para o acervo e para a história do Videobrasil em busca de pontes (imaginárias ou não) entre o mundo árabe e a América Latina, tentando encontrar ideias e pensamentos fortes e significativos numa plataforma que se vê comum".
Pela primeira vez, o Marker teve uma abordagem multidisciplinar que incluiu exposição coletiva, livros de artista, performance e projeto sonoro, além do programa de vídeo concebido a partir do Acervo Videobrasil. "Tendo como conceito principal a criação de uma programa multidisciplinar, o vídeo não poderia faltar e se apresenta no programa através da Associação Cultural Videobrasil, conhecida como a maior plataforma da América Latina para esta mídia”, explicou a curadora desta edição.
Sobre as obras e programação
No primeiro dia de abertura para convidados da Art Dubai, no dia 17 de março (terça-feira), o média-metragem Iluminai os terreiros (2006), de Eduardo Climachauska, Gustavo Moura e Nuno Ramos foi exibido. O filme, com clara referência à música Brasil Pandeiro, do compositor Assis Valente (1911-1958), acompanha os artistas e equipes de montagem durante a instalação monumental de postes de luz e geradores em descampados. De maneira literal e efêmera, os mecanismos – ativados durante a noite e desmontados ao amanhecer – iluminaram os locais desolados onde foram temporariamente instalados. Iluminai os terreiros participou do 16º Festival, em 2007.
No dia 18 de março (quarta-feira, apenas para convidados), três obras que participaram do 17º Festival (2011) foram exibidas. Pilgrimage (2010), de Eder Santos, artista com extenso histórico de participações no Festival, apresenta um retrato poético do ciclo de mineração do ferro – de sua extração ao embarque em navios. Autor de uma densa obra em vídeo e instalação, o artista de Belo Horizonte nos introduz às atividades mineradoras que tanto definem a história, a economia e a cultura do estado de Minas Gerais. O vídeo Metade da Fala no Chão – Piano Surdo, de Tatiana Blass, registra a ação realizada durante a 29ª Bienal de São Paulo (2010). Um pianista executa peças de Frédéric Chopin enquanto dois homens derramam cera derretida dentro do piano de cauda. Conforme esfria e endurece, a cera desafina o piano e amalgama suas cordas e teclas até o emudecimento completo do instrumento. Inimigo invisível (2011), de Guilherme Peters, encena uma situação de tensão contínua, sem clímax ou conclusão, na qual um soldado persegue um inimigo que não se apresenta. A terceira presença é a de quem o filma, de costas, correndo por locais não identificados. O artista foi selecionado pelo edital do 1º Prêmio Ateliê Aberto. Inimigo invisível, obra comissionada pelo Videobrasil, foi realizada durante residência na Casa Tomada, em São Paulo.
Em 19 de março (quinta-feira), o foco voltou-se aos artistas libaneses com obras na coleção da Associação. Tank You (2007), de Ziad Antar, retrata a situação caótica instaurada após a redução do expediente de postos de gasolina devido a ataques aéreos no sul do Líbano. Insultos, escambos e desentendimentos são corriqueiros nas longas filas formadas por aqueles em busca de combustível. Em Rawane’s Song (2006), obra ganhadora do Prêmio Incentivo – Novos Vetores do 16º Festival, Mounira Al Solh percorre um bagunçado estúdio apresentando todos seus projetos artísticos iniciados – e não concluídos – a respeito da Guerra do Líbano. “Gravei as vozes de 100 libanesas, cada uma cantando um pedaço de sua música preferida. Pra minha decepção, nenhuma cantou uma música relacionada à guerra”. Ao revelar que nunca conseguiu falar sobre o tema, a guerra civil libanesa é justamente o que aparece nas entrelinhas. Tomorrow everything will be alright (2010), vídeo de Akram Zaatari dedicado ao cineasta francês Éric Rohmer (1920-2010), conta uma história de amor, perda e saudade que se desenrola através de uma troca de mensagens simulada em uma máquina de escrever. O narrador então se desloca pelas ruas do Líbano, mas sua história de amor poderia ser universal. A obra foi apresentada no 17º Festival (2011), e marcou a sétima participação de Akram Zaatari no evento. Un cercle au tour du soleil (2005) revela a maneira subjetiva como o artista Ali Cherri tentava se apartar da Guerra do Líbano durante sua infância. Para além dos impactos sobre seus habitantes, o vídeo filmado em Beirute em 2004 mostra os reflexos materiais da guerra sobre a cidade, manifestados em suas ruínas. Como aprender a viver os momentos de paz? A obra, que participou do 15º Festival (2005), recebeu o Prêmio FAAP de Artes Digitais.
Na sexta-feira, 20 de março, o programa de vídeo teve início com As Mãos do Epô (2007), obra do artista baiano Ayrson Heráclito que participou do 17º Festival (2011). Sobre o azeite de dendê, duas mãos dançam em alusão às iconografias dos orixás. Amplamente utilizado na culinária e nos cultos religiosos afro-brasileiros, o azeite de dendê simboliza o sangue vegetal e uma ligação direta com a terra-mãe África. Em Sin peso (2006), de Cao Guimarães, o ar que sai do peito em vozes multiformes no comércio das ruas também balança os coloridos toldos de uma feira na Cidade do México. Os tecidos tremulam ao vento, tornam-se translúcidos à luz do sol, e cedem espaço à ondulante bandeira nacional. O trabalho fez parte do 16º Festival (2007). Cruzada (2010), de Cinthia Marcelle, suscita metáforas sobre embates socioculturais recorrendo a expedientes da performance, da pintura, da videoarte e das artes sonoras. Quatro grupos de pessoas, cada um com suas cores e instrumentos musicais específicos, confrontam-se antes de se mesclar em coreografia, formando uma composição ainda mais harmoniosa. Solenidade de hasteamento da bandeira “ao vivo” (2009), de Cristiano Lenhardt, documenta as encenações, em diferentes praças de Porto Alegre, do hasteamento de uma bandeira na qual se lê “AO VIVO”. A performance, feita durante a 7ª Bienal do Mercosul (2009), conta com banda e cerimônia aos moldes militares.
O filme Rabeca (2013), de Caetano Dias, pontuou o encerramento da feira e do Videobrasil Collection at Marker Art Dubai no sábado, dia 21 de março. No documentário ficcional, um tocador de rabeca percorre a bacia do rio São Francisco, passando por cidades como Irecê, Lapão, Xique-Xique, Bom Jesus da Lapa e Correntina. Hábitos seculares e o patrimônio imaterial da região são evidenciados pela obra. Selecionada para o 18º Festival (2013), a obra (cortesia da Paulo Darzé Galeria de Arte, Salvador, Brasil), recebeu Menção Honrosa do júri.
Videobrasil e Oriente Médio: ligações fortalecidas
Desde 1996, quando o Festival recebeu a primeira inscrição de um artista do Oriente Médio (Zaatari), o crescente protagonismo da produção libanesa no Festival e no Acervo Videobrasil é fundamental para compreender a inserção do Videobrasil na região. Foi ainda a partir desta primeira procura do Festival por parte dos artistas do Oriente Médio que a Associação passou a conceitualizar sua atuação no Sul geopolítico (em oposição a um recorte meramente geográfico). O 14º Festival (2003) foi representativo do estreitamento de relações com o Oriente Médio: a exposição e a mostra de vídeo Narrativas Possíveis – Práticas Artísticas no Líbano ofereceu ao público brasileiro um painel da arte contemporânea libanesa através do trabalho de quinze artistas, selecionados pela curadoria de Akram Zaatari e Christine Tohme.
A intensificação das conexões entre o Videobrasil e o Oriente Médio torna-se cada vez mais notável. O 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, que acontece de 6 de outubro a 6 de dezembro em São Paulo, recebeu cerca de 120 inscrições de artistas da região. Em 2014, Solange Farkas, diretora da Associação Cultural Videobrasil, participou da oitava edição do Global Art Forum promovido pela Art Dubai em Doha, no Qatar, comentando a importância da participação de artistas do Oriente Médio e do Norte da África no Festival, a partir de pesquisas e do mapeamento realizado pelo Videobrasil e de aproximações com instituições locais. Outra ação recente foi a participação de Farkas como curadora convidada da 10ª Bienal de Sharjah (2011), nos Emirados Árabes Unidos, com a mostra Visual Utopia. Em 2012, foi lançada a primeira edição do projeto Videobrasil em Contexto em parceria com a Delfina Foundation (Londres, Reino Unido), que atua na região do MENA, e a Casa Tomada (São Paulo, Brasil), promovendo o intercâmbio e o desenvolvimento de processos de pesquisas em acervos do artista brasileiro Claudio Bueno e o egípcio Mahmoud Khaled.
SERVIÇO
Videobrasil Collection at Marker Art Dubai
17 de março (duração: 43’30’’) (somente para convidados)
Eduardo Climachauska, Gustavo Moura, Nuno Ramos
Iluminai os Terreiros (2006)
vídeo, 43’30”
18 de março (duração: 49’51’’) (somente para convidados)
Eder Santos
Pilgrimage (2010)
vídeo, 14’13”
Tatiana Blass
Metade da fala no chão – Piano Surdo (2010)
vídeo, 19’20’’
Guilherme Peters
Inimigo Invisível (2011)
vídeo, 15’52”
19 de março (duração: 57’30’’)
Ziad Antar
Tank You (2007)
vídeo, 13’
Mounira Al Solh
Rawane’s Song (2006)
vídeo, 7’11”
Akram Zaatari
Tomorrow Everything Will Be Alright (2010)
vídeo, 12’
Ali Cherri
Un Cercle autour du soleil (2005)
vídeo, 15’19”
20 de março (duração: 32’48’’)
Ayrson Heráclito
As Mãos do Epô (2007)
vídeo, 11’11”
Cao Guimarães
Sin Peso (2006)
vídeo, 7’
Cinthia Marcelle
Cruzada (2010)
vídeo, 8’36”
Cristiano Lenhardt
Solenidade de hasteamento da bandeira “ao vivo” (2009)
vídeo, 6’
21 de março (duração: 71’)
Caetano Dias
Rabeca (2013)
vídeo, 71’
Art Dubai 2015
17 a 21 de março
Madinat Jumeirah | Al Sufouh Road, Umm Suqeim
Exit 39 (Interchange 4) from Sheikh Zayed Road
Dubai, Emirados Árabes Unidos
www.artdubai.ae