Repensar Espaços: Arte, Usos e Cotidiano
Na Mesa 2 do Seminário Lugares e sentidos na arte: debates a partir do Sul -Repensar Espaços: Arte, Usos e Cotidiano, os artistas Keli-Safia Maksud e Berhanu Ashagrie Deribew e os curadores Till Fellrath e Hoor Al-Qasimi, membros do júri do 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil, discutiram o uso do espaço urbano na arte – como área expositiva e material criativo – e a relação entre comunidades locais e modernização sob a perspectiva da arte. O encontro aconteceu no último sábado, dia 10 de outubro, com mediação da curadora do Seminário, Sabrina Moura, como parte dos Programas Públicos do Festival.
Um dos destaques da mostra Panoramas do Sul | Projetos Comissionados, a artista queniana residente no Canadá, Keli-Safia Maksud, discorreu sobre o uso dos tecidos em sua obra, nas distintas culturas africanas e no papel das mulheres como criadoras, distribuidoras e receptoras dessa matéria. “Historicamente, as mulheres estão na linha de frente de distribuir os tecidos por todo o continente. Algumas acumularam tanta riqueza (na distribuição) que se tornaram figuras fundamentais para o desenvolvimento local. Em Togo, há lugares e monumentos em homenagem a essas mulheres, que tanto contribuíram para a economia daquele país entre 1930 e 1950.”
Segundo ela, a simbologia dos tecidos varia de acordo com cada país e região da África, o que a torna, muitas vezes, incompreensível para outras culturas. “Nem eu, que sou do continente, entendo todo o significado. É algo diferente para alguém do Mali e para alguém da Nigéria. É importante observar o papel dos tecidos historicamente. Na África Oriental, de onde venho, há uma maneira mais contemporânea de interagir com os tecidos.”
A artista destacou também a modificação da simbologia fora das culturas locais africanas. No exterior, os tecidos perdem sua conexão cultural, tradicional e política: “eles passam a simbolizar a sua terra-mãe”, disse.
O artista e diretor da Escola de Belas-Artes e Design da Universidade de Adis Abeba, Berhanu Ashagrie Deribew (Etiópia), narrou por meio de imagens e de maneira crítica a verdadeira história e experiência urbana por detrás da aparente modernização das cidades africanas. Lá, praças, monumentos, vilas e mercados abertos são destruídos e substituídos por edifícios semelhantes aos dos grandes centros do Ocidente.
Em sua fala, o artista citou algumas consequências desse tipo de intervenção urbana, como a exclusão de populações e comunidades do centro para a periferia, a demolição de edifícios, monumentos e locais históricos, a privatização de espaços públicos, e o aumento médio da temperatura em virtude da composição material dos prédios, como o alumínio. “A memória coletiva não tem lugar nessa forma de modernização”, afirmou. “Segundo ele, as intervenções artísticas nesses espaços de exclusão e ameaçados por esse tipo de progresso urbano “são uma forma de resistência e preservação dessa memória coletiva”.
Curador e cofundador da plataforma curatorial multidisciplinar Art Reoriented, Till Fellrath trouxe para o debate a experiência do diálogo das artes visuais com o espaço urbano, com o público local e com outros campos da cultura – como a música e a dança. “É importante saber como você pretende mostrar a arte e unir diferentes linguagens em uma exposição. Não só as artes visuais, mas vídeo, música, dança”, disse.
Além do diálogo entre diferentes linguagens artísticas, o curador falou também do caráter atemporal e universal da obra de arte. “A obra deve ser, antes, apreendida como trabalho artístico e não como um documento antropológico ou fenômeno político”, disse ele, que ilustrou a fala com obras de diferentes períodos e culturas. “Um trabalho artístico é sempre contemporâneo, em algum ponto, e isso tem de ser compreendido. É importante discutir de onde vem a arte, onde ela é debatida, quais os seus limites”.
A artista e presidente da Sharjah Art Foundation (fundada em 2009), responsável pela Bienal de Sharjah, Hoor Al-Qasimi (EAU) destacou o trabalho da fundação junto às comunidades locais e imigrantes de Sharjah, nos Emirados Árabes. “Nossas exposições são voltadas para diferentes grupos: do padeiro aos artistas e estudantes de arte”.
Segundo ela, o trabalho da Fundação baseia-se na compreensão da relação da população com o local onde vivem. A partir disso, começou-se a realizar intervenções de cunho artístico, que permanecem por dois anos no ambiente urbano, até a realização da Bienal de Sharjah, tornando a cidade um espaço artístico constante.
A aproximação com as diferentes comunidades da cidade foi, em grande parte, viabilizada pelas mídias sociais, que triplicaram a presença do público nas exposições e intervenções artísticas, além de trazê-lo como agente realizador dos projetos.
Lançamentos
Ao final do seminário, foram lançadas duas das publicações do 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil: Panoramas do Sul | Artistas Convidados e Panoramas do Sul | Leituras | Perspectivas para outras geografias do pensamento.