Observatório do Sul 4 | Regionalismos e Descentramentos
Com a presença de Moacir dos Anjos, Solange Farkas e Siba, a última sessão do Observatório do Sul discutiu perspectivas de circulação artística atravessadas por um regionalismo crítico e voltadas a estabelecer eixos descentralizados de cooperação local e transnacional. Ao longo dos debates, ficou claro o desejo de se pensar a partir de práticas que retomassem as perspectivas autobiográficas que marcaram as experiências dos três convidados.
Parte de uma geração que testemunhou importantes transformações do lugar simbólico do Nordeste do Brasil ao longo dos anos 1990, Moacir dos Anjos e Siba tomaram a cena musical recifense e o movimento do manguebeat como ponto de partida para entender transformações em diversas áreas da produção artística, como o cinema, a moda e as artes visuais. “Eu retornava ao Recife, após um período fora do Brasil, migrando do campo da economia para as artes visuais e os estudos culturais. E me instigava muito entender o que estava acontecendo ao meu redor”, lembra Moacir. Segundo o curador, os artistas tentavam, naquele momento, expressar um desacordo em relação às formas hegemônicas e tradicionais de representação do Nordeste e o manguebeat tratava desse desacordo a partir da música, muito embora, lembra Moacir, o movimento não fosse apenas uma proposta para a música ou para a cultura pernambucana, mas uma postura de criação perante o mundo globalizado. Como a cultura regionalista começava a se desmanchar, denunciando embates entre lugares simbólicos diversos? Como expressava, a partir daí, suas formas próprias de contemporaneidade?
Ao colocar em xeque as noções identitárias calcadas em práticas culturais rígidas e tradições imóveis, Siba abordou as questões colocadas por Moacir a partir de sua própria prática musical. Ao tomar a Zona da Mata como campo de formação, Siba lembrou as complexas formas de arte locais que lá se formaram – como maracatu de baque solto, ciranda, cavalo marinho – e não distinguem a música da performance ou da dança. Segundo o músico, sua experiência de trabalho entre o Recife e o universo da Mata Norte o levou a problematizar termos como manifestação, folclore ou cultura popular no tratamento daquela produção. “Retornei, em 2001, a Nazaré da Mata para cantar e viver dentro da tradição do Maracatu; montei um grupo, Siba e a Fuloresta. Lá, me dediquei a uma escola muito dura, pautada na prática diária de escrita, memorização, aplicação e improviso”. Mais do que alternativas a formas musicais sacralizadas, Siba aponta em sua fala para outras experiências culturais que não opõem tradição a contemporaneidade, e nos mostram como esse imaginário é quebrado de forma definitiva.
Na segunda parte do encontro, a curadora Solange Farkas narrou a sua experiência à frente do Videobrasil e relembrou como a instituição foi se transformando em um diálogo constante com interlocutores internacionais. Das primeiras edições do Festival no Museu da Imagem e do Som de São Paulo às mostras mais recentes no Sesc Pompeia, Solange discutiu como a perspectiva do Sul geopolítico marcou a instituição, sempre tomando o vídeo como eixo transversal. “No início dos anos 1990, percebi que a produção do vídeo se via enfraquecida em razão das poucas perspectivas de inserção do meio em outras plataformas artísticas. Foi então que surgiu a ideia de parar o Festival para que eu pudesse realizar uma pesquisa fora do Brasil, com o objetivo de criar novas janelas para essa produção. Daí resultou a proposta de apresentar, como parte do Festival, uma produção visual de países com condições semelhantes à nossa, ou seja, o que chamamos de países do Sul global”.
Após a fala de Solange, a última sessão do Observatório do Sul foi encerrada com apresentações de todos os seus participantes. Em suas falas, os pesquisadores retomaram os principais pontos abordados ao longo das quatro sessões, trazendo questões que emergiram do diálogo com suas próprias práticas.