Um registro da dignidade

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postado em 14/07/2017
Bruno Z’Graggen apresenta documentário sobre o fotógrafo moçambicano Ricardo Rangel

Dia 20 de julho, às 20h, será exibido no Galpão VB o documentário Sem flash: homenagem a Ricardo Rangel (1924–2009), de Bruno Z’Graggen e Angelo Sansone, sobre a vida e a obra do pioneiro fotógrafo moçambicano. Lançado em 2012, o filme é resultado de mais de uma década de pesquisa de Z’Graggen.

Será o segundo encontro da série Relações transatlânticas: momentos públicos da pesquisa do curador Bruno Z’Graggen no Acervo Videobrasil. O projeto é uma parceria do Videobrasil com a Fundação Suíça para a Cultura Pro Helvetia, dentro do programa de intercâmbio Pro Helvetia na América do Sul 2017–2020, que visa a promover o intercâmbio cultural e iniciar parcerias entre a Suíça e os países da América do Sul.

Confira abaixo entrevista com Bruno Z’Graggen sobre seu filme, sua pesquisa no Brasil e a obra de Rangel.

 


Still do filme Sem flash: homenagem a Ricardo Rangel (1924–2009)

 

Como você conheceu a obra de Ricardo Rangel?

Foi quase por acaso. Um amigo que tinha emigrado para Moçambique chamou a minha atenção para o trabalho do Ricardo Rangel e o lugar dele na tradição da fotografia moçambicana. Eu já tinha estado em Paris, estudando para a minha pesquisa de doutorado em história social, e lá a arte africana é muito presente. Isso abriu o meu interesse para a fotografia africana, e então propus um projeto de pesquisa para um programa do governo suíço em cooperação com países em desenvolvimento. Passei três semanas em Maputo, onde encontrei o Ricardo e conheci o Centro de Formação Fotográfica, do qual ele era diretor.

Quando tive esse contato, pensei na possibilidade de fazer um projeto maior, e daí surgiu a exposição Iluminando vidas, que deu origem a um catálogo, a workshops e a outros desdobramentos.

E a ideia de fazer o filme, como surgiu?

O filme tem uma história muito especial. A exposição abriu na Suíça, com a presença do Ricardo Rangel e de outros fotógrafos. Em 2003 ela foi levada a Maputo, e meu amigo Angelo Sansone me acompanhou até lá, pois nós queríamos fazer um grande filme sobre o Ricardo. Angelo levou todo o equipamento de filmagem para que a gente tivesse, depois, um material bruto que pudéssemos mostrar a produtores suíços.

Gravamos aproximadamente cinco horas de entrevista com o Ricardo, passeando por vários lugares de Maputo, inclusive revisitando locais que ele tinha fotografado nos anos 1960 e 1970. Ricardo gostava muito de falar. Ficamos bem felizes com o material e ele concordou em ser objeto de um documentário. Então partimos para a produção, levantamos fundos e dois anos depois conseguimos retomar o contato com o Ricardo, nesse momento já com o filme mais encaminhado. Só que então ele estava muito atarefado, com vários projetos paralelos, e disse que não poderia mais fazer o filme. Para nós, foi um pequeno choque. Estávamos muito convencidos da importância desse trabalho, porque ainda não havia nenhum filme sobre ele, que era um personagem muito carismático — como vocês vão ver no documentário.

Em 2009 ele morreu. Foi uma grande perda, e resolvemos retomar o material filmado em 2003, porque era uma pena não fazer nada com ele. O filme é uma mistura desse material com entrevistas mais recentes, com o crítico de arte português Alexandre Pomar e o fotógrafo moçambicano Sérgio Santimano, que tinha sido aluno de Ricardo Rangel. Ambos foram muito importantes para contar essa história. A ideia era mesmo fazer uma homenagem.

Durante sua pesquisa no Brasil, o que você encontrou que lembrasse o trabalho de Rangel?

Minha pesquisa é no Acervo Histórico Videobrasil, e tem várias obras que dialogam com o trabalho do Ricardo. Moçambique e Brasil foram países sob dominação colonial portuguesa, e isso, por si só, traz muitas semelhanças à produção dos dois países.

O tema do racismo, por exemplo, é muito presente na obra do Ricardo, principalmente antes da Revolução, em 1975. Ele trabalhou como fotógrafo em jornais e revistas e fez muitas reportagens em que observava a sociedade colonial e o racismo dos portugueses brancos. Foi inclusive uma luta contra a censura da época. Aqui no Brasil o racismo também é virulento, apesar de nem sempre estar em primeiro plano nos debates; ou seja, mesmo quando não é explícito, o racismo está presente estruturalmente.

Outra semelhança que encontro em obras do Acervo é um cuidado com a dignidade humana — quando há retratos, por exemplo. Esse olhar é muito forte na obra do Ricardo, que de certa forma seguiu uma escola de fotografia direta, de rua, que veio dos Estados Unidos. Essa linguagem do acesso às pessoas forma uma tradição muito humana, presente tanto no trabalho do Ricardo quanto em vários dos vídeos do Acervo.

 



Fotografias de Ricardo Rangel no catálogo Iluminando vidas

 

SERVIÇO

O QUE: Exibição do documentário Sem flash: homenagem a Ricardo Rangel (1924–2009), de 2012, de Bruno Z’Graggen e Angelo Sansone
QUANDO: 20 de julho, quinta-feira, às 20h
ONDE: Galpão VB (Av. Imperatriz Leopoldina, 1150, São Paulo)

Excepcionalmente neste dia, a exposição Nada levarei quando morrer, aqueles que me devem cobrarei no inferno permanecerá aberta para visitação até as 19h45.

Na Sala de Leitura do Galpão VB está disponível para consulta o catálogo da exposição Iluminando vidas. Fotografia moçambicana 1950–2001. Ricardo Rangel & the Next Generation (Photoforum, Bienna, Suíça, 2002), com curadoria de Z’Graggen e de Grant Lee Neuenberg, fotógrafo norte-americano baseado em Maputo.