Ensaio José-Carlos Mariátegui, 09/2004
Cine 'limpo': Uma aproximação com a obra Diego Lama
Na América Latina, os altos custos das produções cinematográficas têm contribuído para que mais pessoas trabalhem hoje com o vídeo digital, percorrendo caminhos originais e alternativos ao cinema tradicional; sem dúvida existem alguns artistas que utilizam a linguagem cinematográfica a partir do vídeo para perceber o que a realidade nos oferece em forma de uma linguagem simbólica que entendemos com facilidade.
Desde que era estudante na Escola Corriente Alterna, em 1999, Diego Lama começou a experimentar o vídeo. Ao revisar sua obra em retrospectiva, o espectro de análise genealógico é deslocado pelo cronológico, pois torna-se clara uma evolução que vi aumentando ao longo dos últimos seis anos, na qual cada trabalho adquire a cada vez traços mais complexos, tanto no nível conceitual como no técnico.
Lama faz parte do que podemos chamar uma “segunda geração” de jovens que vêm desenvolvendo uma intensa atividade no campo da arte eletrônica no Peru desde o surgimento, em 1998, do Festival Internacional de Video/Arte/Electrónica (VAE - www.vae8.net). É justificável que essa geração transite por diferentes códigos que a anterior, e no caso de Lama, sem dúvida, o traço mais evidente em sua linguagem visual está na relação com o imaginário e o pensamento do cinema, que tem influenciado fortemente sua produção e sua formação artística. Essa linguagem não só aprecia a inclusão de cenas retiradas de filmes e a eloqüência de suas produções filmadas, mas se evidencia na “limpeza”, que é um traço característico do cinema comercial que tem sido absorvido nos últimos anos pelas artes visuais.
O trabalho de Lama está claramente determinado por duas linhas de ação que não podemos dizer serem visualmente distintas: por um lado seu interesse pelo processo de globalização no campo da arte mainstream e sua confrontação com as realidades dos países ou zonas pouco representadas (como é o caso da América Latina); e, por outro, seu inegável e persistente gosto pela criação de espaços ambíguos através da representação de tragédias íntimas, que são relacionadas com situações limítrofes que podem chegar a parecer absurdas (e muitas vezes com certo humor negro). Em ambos os casos Lama usa uma linguagem cinematográfica “limpa”, acompanhada pelo ritmo de melodias cotidianas (desde Frank Sinatra até Carmen Miranda) ou de composições contemporâneas (Philip Glass).
O fato de realizar produções com orçamento “alto” (em comparação com o orçamento mínimo ou inexistente da maioria das produções em vídeo no Peru) não só não se contradiz como se complementa, já que com isso Lama tenta dar visibilidade ao nível técnico das produções da chamada “periferia cultural” e revelar também que na América Latina vem sendo cultivada uma preocupação pelo conceito além do resultado final em termos estéticos.
Seus últimos trabalhos (“Family”, “La muerte de Eros”, “Chimaera”) associam de uma maneira direta (através de filmagem e da utilização de atores profissionais) situações que vão além do limite em contextos tanto convencionais como abstratos, sempre na tentativa de criar uma visão reflexiva. O que pretende com isso é alcançar uma sensação de complexidade com o espectador, em que os espaços “limpos” não nos digam nada do contexto local, para que a situação na qual se encontra o personagem da história se converta em universal.
De acordo com Lama isso pode ajudar a nos remeter aos sentimentos mais básicos e instintivos dos seres humanos, a ponto de remover a consciência individual e os converter em cúmplices da história. Mas não somente isso desperta um interesse pela originalidade, mas por vontade de contribuir com uma reflexão crítica no campo da arte e um anseio de ser incorporado a uma universalidade. Diego Lama nos devolve os enquadramentos formais do cinema combinados com a liberdade que oferece o vídeo, assim como as integrações com outras artes, como o teatro, para formar uma produção complexa e rica do “imaginário cinematográfico”.
Desde o ano passado, quando recebeu apoio da fundação HIVOS (Holanda) para a produção de um projeto apresentado no World Wide Videofest e pela ATA (Alta Tecnología Andina), seu esforço em realizar obras com um nível de produção pouco freqüente na América Latina tem sido reconhecido nacional e internacionalmente, ganhando vários prêmios que vão mantê-lo por um longo período na Europa; ele hoje se encontra como artista residente no Site Gallery (Inglaterra).