Arte e processos transnacionais África-Brasil
O Paço das Artes - instituição da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo - inaugura no dia 8 de março (sábado), às 16h, a mostra K_, projeto artístico de César Meneghetti. Na ocasião, haverá um encontro para tratar de questões sobre a arte e processos transacionais África-Brasil nas experiências de César Meneghetti, com a participação de Solange Farkas, fundadora e curadora Associação Cultural Videobrasil, e Marie Ange Bordas, artista visual, escritora e pesquisadora. A mediação será feita pela diretora técnica e curadora do Paço das Artes, Priscila Arantes.
Comemorando no ano passado 30 anos de realização do Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil - dedicado ao mapeamento e difusão da produção artística do eixo Sul Geopolítico -, Solange Farkas vem ao longo desta trajetória aprofundando relações com a África. Além de ser uma estratégia visível na última edição do Festival, pela grande presença de artistas africanos e qualidade de seus trabalhos, dois deles, premiados (Tomo, de Bakary Diallo e We Are One, de Luc Foster Diop), a relação do Videobrasil com a África é evidente desde a realização das Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea (2005) e a Mostra Africana de Arte Contemporânea (2000), ambas com curadoria de Solange.
Recentemente, duas importantes atividades dos Programas Públicos do 18º Festival e uma ação em parceria com o Goethe Institut também abordaram questões ligadas à arte africana e à sua internacionalização, com a participação de artistas, curadores e pensadores de diversos países. Entre eles, o lançamento Caderno 9 Sesc_Videobrasil: Geografias em Movimento, organizado a partir da pesquisa de Marie Ange Bordas com refugiados africanos, trazendo contribuições e textos de artistas e pensadores como o intelectual camaronês Achille Mbembe, o curador e crítico suíço-camaronês Simon Njami e o sul-africano William Kentridge; e a primeira edição brasileira do “Summer Conversations: Arquivos sobre o Não-Racialismo”, encontro que reuniu intelectuais do Brasil, África do Sul e Estados Unidos nas áreas de filosofia, antropologia, ciências políticas e história, entre eles a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz; a historiadora e coordenadora do Núcleo de Apoio a Pesquisa Brasil-África da USP, Marina de Mello e Souza, a pesquisadora da Associação Museu Afro Brasil Juliana Bevilacqua; o fotógrafo mineiro Eustáquio Neves e o artista e pesquisador da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, Ayrson Heráclito, também premiado na 18ª edição do festival com uma residência artística em Dakar, Senegal.
No bate-papo com Marie Ange Bordas e o artista César Meneghetti, que na mostra K_ apresenta o resultado de sua imersão no Vale de Keita, região situada entre o Sahel e a África Central, Solange vai falar um pouco sobre esta trajetória de aproximações com a África e a potência da arte africana na contemporaneidade.
Mais sobre a exposição K_
Aberta para visitação no Paço das Artes até o dia 6 de abril, a mostra de César Meneghetti apresenta as obras K 05_still femmes (vídeo, 15 min. HD cor) e K 06_01011001 (tríptico vídeo, 4’, 10’ e 11’, HD, cor), integrantes do projeto relacional e multimídia K_lab – interacting on the reality interface, realizado na África (Níger-Itália 2007/2009). Composta por uma série de 7 obras (vídeos, fotografias, instalações e documentos), K_lab – interacting on the reality interface narra, documenta e analisa o trabalho da população (na maior parte feminina) do Vale de Keita no combate a desertificação. O projeto foi apresentado pela primeira vez em 2008, no Museu Laboratório de Arte Contemporânea de Roma (MLAC), com curadoria de Simonetta Lux e Domenico Scudero.
“No trabalho de César Meneghetti a disposição de traços materiais ou imateriais recodificados como fluxo convergem com a condição humana, os afetos, as problemáticas interceptadas e vividas ao longo do seu percurso pelo mundo, desde o Brasil até a Europa, ao Oriente, à África recriando interconexões transnacionais que ele transforma em linguagem, em obra, em arte. Uma forma rara de comunicar e compartilhar que só a arte permite vivenciar”, escreve a historiadora e crítica de arte Simonetta Lux no texto de abertura da mostra na Itália.
Em K 05_still femme, o retrato de camponesas africanas na pausa de seu trabalho diário cria um duplo registro, objetivo/subjetivo, observando/observado, um retrato realista, mas ao mesmo tempo não idealizado, até chegar à paisagem do lugar no tríptico do vídeo K_6 010010011 “de ritmo denso, com a cor de laranja e o vermelho se alternando nessa moldura luminosa e em movimento onde a paisagem parece naufragar na abstração digital. As obras são paradigmas, rastros que o artista encontra realmente, ao percorrer o território do Níger na ocasião do seu projeto, são reais e ao mesmo tempo produzidos pelo seu inconsciente cultural”, como escreve Eleonora Carbone.
Saiba mais sobre o projeto
Entre 1984 e 2007, a comunidade internacional, a FAO, o WFP e a Cooperazione Italiana se mobilizaram para combater a fome no Vale de Keita, lugar que havia passado em 1983 por uma grande seca, desertificação, empobrecimento agrícola e êxodo rural masculino. O renascimento do Vale de Keita foi possível graças ao extraordinário esforço dos moradores da região, na grande maioria mulheres como as retratadas em K 05_still femmes, que plantaram quase 20 milhões de árvores nos últimos 25 anos, e que conseguiram reconstruir a vida econômica da região. O difícil acesso e escassez de água, a paisagem árida quase lunar como a que vemos representada no tríptico K_06. Os sons e a voz do texto são da única rapper feminina da África Ocidental, ZM (Zara Moussa), intitulado “Ma Rage”, foi rearranjado e remixado pelo DJ Matthew Mountford a partir de sons e musicas gravados ao vivo por Meneghetti no Níger.
Entre junho e novembro de 2007, César Meneghetti, o fotógrafo italiano Enrico Blasi e o cinegrafista inglês Sam Cole participaram de diversas missões ao Vale do Keita, dentro do projeto de PAFAGE (IBIMET – Conselho Nacional de Pesquisa Italiano), a fim de registrar o trabalho da população em luta constante contra a desertificação na zona limítrofe entre o Saara e a África central.
Meneghetti e seus colaboradores participaram deste cotidiano, recolheram depoimentos, e puderam trocar pensamentos e sensações com uma população de camponeses sobre alguns conceitos básicos da existência.
Sobre o artista
CÉSAR MENEGHETTI (São Paulo/SP) é artista visual, cineasta, estudou no Brasil, Inglaterra e Itália. O seu trabalho crossmedia em técnica e conteúdo, que se debruça sobre a questão do outro antropológico, sobre o conceito de limites e confins e um constante indagar sobre eas formas de linguagem. Participa a 55ª Bienal de Venezia, Pavilhão Quênia (2013), a Biennale Sessions – Art talks da 54ª Bienal de Venezia (2011), 10th Sharjah Biennial (2011), 16ª Bienal de Cerveira (2011), Bienal Adriática (2006), Evento especial Pavilhão Latino Americano da 51ª Bienal de Venezia (2005), e do Videobrasil. Prêmio FUNARTE de Arte Contemporânea 2011, Prêmio Brasil Arte Contemporânea da Fundação Bienal de São Paulo (2010), melhor vídeo na IV Bienal Interamericana de Vídeo Arte de Washington (2009), premio da crítica cinematográfica Italiana (Nastro d’Argento - 1996 e 2004) e Premio Petrobrás Cultural (2002 e 2006). Como cineasta é autor, entre outros, do longa “Interferenze” e dos documentários “Sem Terra”, “Motoboy”, “Sonhos de Bola” e “Terrorista”. Com “K_lab – interacting on the reality interface” realoca a sua experiência no cinema e mixed medias também nas artes visuais. Sucessivamente desenvolveu o projetos “This_Orient” (Vietnã UK, 2006-2011) e “I\O _Eu é um outro” (Itália, 2010-2013) com 200 deficientes mentais. Em São Paulo, é representado pela Duplo Galeria e, em Berlim, pela Under the Mango Tree Art Gallery.
saiba mais sobre o artista no Acervo
Sobre as convidadas
Solange Farkas (Salvador/BA) é curadora e diretora da Associação Cultural Videobrasil. Criou o Festival Internacional de Arte Contemporânea SESC_Videobrasil, que completou trinta anos em 2013, evento que tem sua curadoria-geral e que se tornou referência para a produção artística do Sul geopolítico do mundo (África, América Latina, Leste Europeu, Oriente Médio, parte da Ásia e Oceania), além de ter trazido nomes de peso da arte internacional, como Akram Zaatari, Bill Viola, Gary Hill, Peter Greenaway, Marina Abramovic, Olafur Eliasson e Walid Raad.
Marie Ange Bordas (Porto Alegre/RS) é mestra em Imagem e Som pela ECA/USP e especialista em fotografia pelo International Center of Photography, Nova Iorque. Marie Ange atua como artista visual, escritora e educadora e tem como foco as temáticas do deslocamento e suas implicações no individual e no coletivo. Nos últimos dez anos, circulou entre Brasil, Europa e África, desenvolvendo projetos colaborativos e participando de residências e exposições. Em 2013 foi editora do Caderno Videobrasil _09, Geografias em Movimento onde articula sua trajetória-obra com reflexões de outros artistas e intelectuais.
Serviço:
K_– Cesar Meneghetti
Abertura: 8 de março, 16h
Mesa-redonda com César Meneghetti, Solange Farkas e Marie Ange Bordas; mediação: Priscila Arantes
de 8/MAR a 6/ABR
Paço das Artes | Av. da Universidade, 1, Cidade Universitária, São Paulo
Visitação: terças a sextas-feiras, das 10h às 19h; sábado e domingo, das 12h30 às 17h30
Entrada gratuita