• Julio Pimentel, Andrea Giunta, Tânia Rivera e Sabrina Moura
Foto: Tiago Lima
    Julio Pimentel, Andrea Giunta, Tânia Rivera e Sabrina Moura
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  • Sabrina Moura
Foto: Tiago Lima
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  • Julio Pimentel
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    Julio Pimentel
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  • Andrea Giunta
Foto: Tiago Lima
    Andrea Giunta
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  • Tânia Rivera
Foto: Tiago Lima
    Tânia Rivera
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  • Sabrina Moura, Tânia Rivera, Andrea Giunta e Julio Pimentel
Foto: Tiago Lima
    Sabrina Moura, Tânia Rivera, Andrea Giunta e Julio Pimentel
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Arte, memória e ficção em debate

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postado em 26/10/2015
Seminário do 19º Festival reúne perspectivas multidisciplinares no debate sobre a construção da memória na arte, na política e na história, discutindo relações entre realidade e ficção

Na terceira mesa do Seminário Lugares e Sentidos na Arte: Debates a partir do Sul, intitulada Repensar narrativas: arte, memória e ficção, que faz parte da programação do 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil | Panoramas do Sul, a curadora e professora de arte latino-americana na Universidade de Buenos Aires e na Universidade de Austin, Andrea Giunta (Argentina); o professor livre-docente em história social pela Universidade de São Paulo, Julio Pimentel (Brasil); e a ensaísta, psicanalista e professora do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense, Tânia Rivera (Brasil), debateram a questão da memória, da narrativa e da ficção no campo da arte e suas implicações sociais, políticas, históricas e culturais. A mesa teve mediação de Sabrina Moura, curadora do Seminário, e contou ainda com depoimentos dos artistas Gabriel Abrantes, presente na exposição Panoramas do Sul | Artistas Convidados, no Sesc Pompeia, e Ting-Ting Cheng, da exposição Panoramas do Sul | Projetos Comissionados, no Galpão VB, como provocação às falas dos participantes do evento.

Com uma obra cinematográfica calcada na ficção, mas que desmonta a estrutura clássica da narrativa e se mantém em intersecção com a realidade, o artista Gabriel Abrantes, disse, em vídeo gravado especialmente para a mesa, que a ficção está presente na realidade, dando sentido a ela. Tudo é ficção”, afirmou o artista que, mesmo quando não cria uma obra ficcional, afirma que a maneira de contar uma história tende a ser ficcional”. Gabriel participa da exposição de artistas convidados com o filme Liberdade (2011) e conta também com uma seleção especial de seus filmes nos Programas de Filmes do 19º Festival, exibida no Teatro do Sesc Pompeia e no Galpão VB.

Criadora da instalação The Atlas of Places do not exist (2015), uma biblioteca instalada no Galpão VB como parte da exposição Projetos Comissionados do Festival, com aproximadamente quinhentos títulos, em português e inglês, sobre lugares que não existem – seja no plano político, social, filosófico ou geográfico, Ting-Ting Cheng afirmou em vídeo, que “toda ficção parte da realidade. Não acredito em uma obra totalmente fictícia. Toda ficção reflete o que as pessoas sentem e pensam”. Em sua instalação estão presentes livros como Alice no País das Maravilhas, Robinson Crusoé, Peter Pan, Harry Potter e outras obras ambientadas em cidades, ilhas, mundos, países imaginários que, no processo de leitura, estabelecem, por meio do leitor, uma inflexão com a realidade, de maneira metafórica. Todos os lugares nesses livros, de alguma forma, existem”, afirma Cheng.

Após a fala dos artistas, o historiador Julio Pimentel iniciou sua apresentação fazendo uma análise da obra de Abrantes e Cheng, estabelecendo diferenças e similitudes. Segundo ele, Gabriel Abrantes é um parodista; Ting-Ting, uma utopista. Gabriel nos mostra que é preciso partir de lugares reais; Ting-Ting pergunta a que lugares pertencemos”. Ambos, porém, por meio do humor, desenham mundos imaginários nos quais adoraríamos nos perder. Propõem viagens e deslocamentos. Oferecem a chance de nos deslocarmos, em narrativas das mais variadas espessuras”.

O professor da USP destaca o caráter fluido e incerto de realidade e ficção, verdade e imaginação, recorrendo a uma definição do Dicionário dos Lugares Imaginários, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, segundo a qual a terra é azul como uma laranja”. “O azul sugere felicidade, harmonia, ideal, plenitude. A laranja é a fruta que, na tradição de muitos países até o início do século 20, se oferece no Natal, um presente regular dado às crianças, rica, sumosa, cheia de azul e de vida”.

Pimentel, citando o caráter incerto da verdade e da realidade, cita a cartografia como um exemplo ficcional de construção da realidade. “Há representações imaginadas na cartografia. A realidade não se dá de maneira direta ou inequívoca”.

Pesquisadora da relação da arte com os direitos humanos, Andrea Giunta, que trabalha num livro sobre o tema, falou da forma como recordamos os tempos das ditaduras e a relevância dos depoimentos pessoais. “Os testemunhos não são ficção, são documentos”.

Ela trouxe exemplos de artistas do Uruguai como uma proposta de divulgar produções pouco conhecidas do público. Ela apresentou a obra Sal-Si-Puedes (1983), de Nelbia Romero, que à época, por ter sido apresentada, não foi considerada uma criação de resistência à ditadura, embora hoje seja possível avaliar a crítica presente na obra. Outro exemplo citado por ela foi a obra de Diana Dowek, Paisaje (1977), uma paisagem que a artista intencionava colocar como um símbolo da liberdade. Isso é um resultado da ficcionalização que resulta da experiência anterior”, afirma.

A estudiosa discutiu a questão dos espaços museológicos e de memória que existem em todo o mundo acerca de momentos históricos, como as ditaduras latino-americanas. “Até que pontos esses lugares reproduzem o passado ou os ficcionalizam?”, questiona.

Segundo ela, as ditaduras latino-americanas, que sofreram sua debacle na primeira parte da década de 1980, caíram por conta de seus “fracassos econômicos e militares”, mas também pela persistente resistência à censura ao livre-pensamento. “Frente a um poder que pretendia reprimir todo pensamento crítico, expressar-se e manter o pensamento ativo é resistir. O fim das ditaduras só foi possível pelas resistências que criaram consciências adicionais que participaram do largo processo que acabou com as ditaduras”.

Andrea mantém também um posicionamento crítico acerca das interpretações e revisões históricas que restringem o entendimento das ditaduras – e a resistência a elas – ao maniqueísmo, ao bem e ao mal, sem analisar os matizes. Levanta a questão: “É possível classificar a obra entre ética e antiética? Uma ética binária replica a forma de pensar do autoritarismo”. Daí, segundo ela, a importância da ficção na construção da memória histórica. Para a história das ditaduras, o testemunho não é ficção, mas fonte primordial para entender o que se passava. A história também é o espaço dos afetos”.

A psicanalista Tânia Rivera, a partir do conceito freudiano de que toda memória é ficção, afirmou que, segundo Freud, a realidade não se coaduna nem com a narrativa realista nem com os índices perceptivos que poderiam garantir algum valor factual à memória” e que o devaneio e o sonho, segundo o mesmo, são parte fundamental da existência humana, “trazem a ficção para a nossa vida cotidiana”.

Ainda sobre Freud, ela lembrou que, para ele, a memória é um trabalho ativo. Não são cenas, mas traços, com os quais podemos escrever letras ou desenhar imagens” e que, numa sessão de análise, você constrói com a fala um romance, o que torna a todos nós poetas”. “Lacan, para quem o ‘eu’ se constitui numa ficção, dizia que se uma pessoa entrasse na análise com um romance, voltaria para casa com um conto”.

Levando a questão de representação, realidade e ficção, invenção e memória para o campo da arte, Tânia traz duas formas de arte fundamentais no imaginário humano a partir do início do século 20: a fotografia e o cinema. O cinema constrói cenas ilusórias com aparência máxima de realidade. Construídas narrativamente de forma realista, enquanto a fotografia tinha algo louco, uma vez que fragmenta a realidade de um modo que torna problemática a narrativa linear. Boa parte das vanguardas artísticas do século 20 que surgem depois da fotografia tentará aumentar a brecha aberta pela fotografia entre narrativa e realidade”, afirma.
 

Agenda
No dia 29 de outubro, o 19º Festival de Arte Contemporânea Sesc_Videobrasil realiza a última mesa do Seminário Lugares e Sentidos na Arte: Repensar o tempo: Arte, silêncios e histórias, às 14h, no Teatro do Sesc Pompeia. O Seminário é gratuito, mas as vagas são limitadas. Interessados devem retirar o ingresso com 1h de antecedência na bilheteria do Sesc Pompeia.

As informações detalhadas da mesa estão no site do 19º Festival.