Entrevista Eduardo de Jesus, 10/2005
1. De onde partiu a motivação para a criação do projeto feitoamãos? E como posteriormente esse projeto se desdobrou no F.A.Q.?
Claudio Santos: Em 1998, tivemos uma experiência de trabalho em grupo num projeto do estilista Jotta Syballena e Voltz Design. A Voltz convidou sete artistas para que cada um fizesse uma leitura contemporânea de um pecado capital. Foi muito bom, tanto o processo como o resultado. Participaram Claudio Santos, Rodrigo Minelli e André Amparo, além de outros três. Passado um tempo, Minelli propõe um novo trabalho em grupo, que se chama 5 (5 sentidos) e convida, além de mim e André, Chico de Paula e Marcelo Braga. Convida também Marília Rocha, que realiza o sexto sentido. O processo desse trabalho foi caracterizado por interferências de um na criação do outro. A partir disso, fomos convidados por Mônica Cerqueira para realizar a abertura do espaço virtual do Palácio das Artes de MG. Nesse momento, criamos um site, um novo projeto de web arte (7 maravilhas), convidando novos artistas. Nós o batizamos de 'projeto feitoamãos', que tinha por objetivo pesquisar, produzir e refletir sobre a linguagem e as possibilidades da arte eletrônica, tendo como principal eixo o processo de realização coletiva, que orienta os trabalhos do grupo. Além disso, incentivamos e formamos novos realizadores através de parcerias, co-produções, apoios, etc. Conquistamos alguns prêmios nacionais e internacionais.
Em 2001, fomos convidados pra fazer a abertura no Festival de Curtas-Metragens de Belo Horizonte. Propusemos uma performance (Dizga Vertov reenquadrado) e convidamos os músicos Ronaldo Gino, André Melo, Barral e o DJ Roger Moore. Fizemos tudo ao vivo e, a partir daí, incorporamos Ronaldo Gino e André Melo como membros do grupo. Convidamos o Lucas Bambozzi para a apresentação no Red Bull Live Images (2002), que, desde então, também passou a fazer parte efetivamente do projeto. O músico Vítor Garcia entrou a partir da performance É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo (2003).
Essas adesões resultaram naturalmente na criação de um núcleo multimídia fixo com uma vertente voltada para apresentações ao vivo que estaria mais associada ao nome F.A.Q. Esse núcleo é hoje formado por André Amparo, André Melo, Claudio Santos, Lucas Bambozzi, Marcelo Braga, Rodrigo Minelli, Ronaldo Gino e Vítor Garcia. Com artistas de formação nitidamente diferenciada (música, vídeo, design, etc.), a proposta central passa a ser o desenvolvimento de uma linguagem em torno da idéia de live audio-images. O F.A.Q. então começa a se apresentar em diferentes espaços e eventos (inclusive como grupo de VJ's), mas sempre acrescenta algum diferencial em sua base conceitual, o que muitas vezes acontece através do convite a novos artistas para integrar suas performances.
Lucas Bambozzi: Acho importante ressaltar que muitos de nós acompanharam ativamente as mudanças tecnológicas dos processos ligados ao vídeo nos últimos 15 anos ou mais, e isso é naturalmente incorporado como linguagens que conectam procedimentos técnicos e operacionais. Trabalhamos com sistemas tipicamente analógicos do tipo A/B roll, em VHS, passando pelo U-matic, Beta e, finalmente, os sistemas digitais (Video Toaster, Video Machine, Première, Edit DV e Final Cut). Entre nós, alguns fizeram, ainda no início dos anos 80, transmissões simultâneas de shows (às vezes para televisão, como os musicais ao vivo que fiz com os grupos Ira!, Fellinni, Defala, Ultimo Número, Gueto e Sexo Explícito em 89), eventos corporativos, desfiles de moda, etc., atividades que hoje também fazem parte do repertório de muitos VJ's. Essas experiências nos conectam diretamente com o universo do improviso e do tempo real, típicos de sistemas digitais recentes.
2.Como é o processo de criação do grupo? Como são desenvolvidos os trabalhos?
CS: Cada trabalho possui suas peculiaridades, mas para todos eles estabelecemos reuniões periódicas onde nos encontramos para discutir conceitos, música, imagens, etc. Além disso, nos falamos por e-mail diariamente, pois nem todos os integrantes residem em BH, e realizamos conferências por Skype. Os artistas convidados participam do processo embrionário das propostas.
LB: Podemos dizer que o grupo é um ambiente de pesquisa e de compartilhamento de experiências em torno de tecnologias, procedimentos e linguagens. O fato de envolver tanto músicos como pessoas mais ligadas à imagem proporciona uma troca que geralmente não acontece no circuito dos VJ's - onde nem sempre há um diálogo com o DJ. O processo de trabalho varia. Às vezes um integrante do grupo assume temporariamente a frente na produção e conceituação, mas tudo é discutido com todos.
Outra característica de nosso trabalho é que o conteúdo das apresentações é sempre resultado de um compartilhamento de inquietações, muitas vezes díspares ou não-consensuais. Isso talvez seja o maior diferencial entre o processo individual e o trabalho em grupo, pois é a partir de debates sobre determinadas questões (notadamente políticas) que os “roteiros” vão sendo delineados.
3. No Monstruário ilustrado (2002) apresentado no Interatividades do Itaú Cultural, em São Paulo, vocês trabalharam num espaço quase cênico. Já em Veja as instruções primeiro (2002), apresentado no Red Bull Live Images, e também em É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo (2003), vocês trabalharam com espaços imersivos em que o público pode transitar, dançar e até interagir com as imagens. Como o espaço físico condiciona ou determina a criação? O grupo tem preferência por um tipo de espaço específico?
CS: A partir de uma proposta narrativa, definida em conjunto, adequamos a apresentação ao espaço em que vamos nos apresentar. A montagem dos suportes de projeção de imagem e disposição dos músicos e VJ's são determinados quando recebemos a planta do local. Nesse momento também podemos acrescentar elementos e explorar o que o local pode oferecer em termos de imersão e movimentação por parte do público. Particularmente prefiro apresentações em palco, mas a possibilidade de adequação aos espaços torna a coisa bem interessante.
LB: Estamos cada vez mais interessados em situações em que outros sentidos, além da visão, possam ser mobilizados. Em algumas situações, pode-se conseguir uma maior participação/imersão coletiva através de várias telas, camadas e transparências. Para o É (in)possível estar em 2 lugares ao mesmo tempo, utilizamos recursos interativos. O público podia acionar/manipular determinadas imagens através da movimentação de uma lâmpada que, ao oscilar, criava movimentos análogos na imagem. A experimentação com diversas interfaces entre o público e os arquivos digitais que criamos e/ou disponibilizamos é um caminho que estamos percorrendo. Estamos sempre pesquisando o potencial de cada uma dessas possibilidades técnicas que nos são acessíveis.
Com relação ao espaço físico, fizemos parte recentemente de uma experiência interessante, que foi o projeto Cubo, pois três dos integrantes do feitoamãos/F.A.Q. também fazem parte do grupo Cobaia (Cláudio, Rodrigo e eu). No Cubo, o espaço físico (o centro da cidade de São Paulo) determinava uma especificidade muito particular, envolvendo muitas discussões. O conteúdo, a manipulação de imagens, as projeções e a forma de se relacionar com o público tiveram que ser re-trabalhados de forma totalmente distinta daquela à qual estávamos acostumados.
4. Na exposição Imagem não imagem, vocês criaram um objeto midiático. Como foi a experiência de participar de uma exposição com um objeto e como foi o processo de criação dessa obra? É possível apontar aproximações entre o trabalho mais performático e esse objeto?
CS: A criação do Bicho Brasileiro partiu da vontade de romper um pouco com esse processo de live images. Tentamos criar o resultado de um processo coletivo numa experiência sensorial individual.
5. Vocês desenvolvem workshops com freqüência. Como tem sido a experiência dos workshops? Podemos considerar como uma continuação dos vídeos desenvolvidos coletivamente com jovens realizadores como Os 4 pontos cardeais (2001) e Matéria dos sonhos (2001)?
CS: Essa coisa do workshop era forte e estava na pauta do grupo enquanto éramos apenas feitoamãos. Hoje assinamos trabalhos como feitoamãos/F.A.Q., pois o F.A.Q. tem as características de uma “banda”, de um núcleo multimídia fixo, onde a essência do feitoamãos aparece quando convidamos e agregamos novos artistas (seja na música, na edição, na concepção ou apenas na manipulação). Coisa que na maioria das vezes acontece.
Resumindo, acho que a experiência da criação coletiva (como os exemplos que você citou) permanece, mesmo com o F.A.Q. sendo esse núcleo fixo. Porém, os workshops tiveram características diferentes quando existiram e atualmente as apresentações não têm permitido muito a aplicação de workshops.
LB: Vale lembrar aqui o Fórum de Mídia Expandida, que vem acontecendo há três anos no âmbito do Festival Eletronika, em BH. Esse ano o Festival vai ser dedicado especialmente às atividades do Fórum. Trata-se de mais um desdobramento do feitoamãos/F.A.Q. (é coordenado pelo Rodrigo Minelli e por mim). O formato é o de um micro-simpósio, onde buscamos uma aproximação com questões debatidas no campo da música que se relacionam diretamente com as mídias digitais no terreno do audiovisual, do design e da arte contemporânea. Através do Fórum, produzimos também eventos correlatos, que não se pautam por modismos, mas pela criação em estado latente e em sintonia com inquietações atuais, independentemente do espaço que ocupam hoje no cenário artístico-musical. Esses eventos se complementam, abarcando experiências como performances, audiovisuais experimentais, instalações e outros acontecimentos emergentes nos circuitos das artes digitais, que oscilam ou produzem pensamentos em trânsito entre as mídias.
6. Vocês se apresentaram no Videoformes (2005), festival de vídeo e novas mídias de Clermont Ferrand, na França. Como foi a experiência?
CS: Foi bastante interessante se apresentar fora do país, num evento de tradição como é o Videoformes (foi a 20ª edição do festival). Vimos trabalhos de vários países, com características bastante diferentes do que foi nossa apresentação. Valeu também para ver como a coisa da arte eletrônica tem caminhado, saindo apenas dos suportes de exibição e instalação, explorando com mais intensidade as experiências das narrativas executadas ao vivo.
LB: A apresentação no Videoformes serviu também para nos darmos conta de como pode haver ainda experiências interessantes numa situação típica de palco. Ali pensamos o quanto poderíamos incorporar elementos cênicos ou de iluminação, como forma de criar camadas visuais e ambiências. Trabalhamos muito com telas pretas, que permitem a passagem de luz e viabilizam uma alternância visual entre o que está na frente e o que está no fundo da situação de palco, sugerindo algo como uma maior troca entre o dentro e o fora, privilegiando a participação/implicação do público na apresentação. Essas considerações e recursos serão aplicados em nossa apresentação, Carro-Bomba, durante o Videobrasil.